Do direito a pedalar em segurança
Para quando, também por cá, como sucede em cada vez mais cidades por esta Europa, os peões e ciclistas serão promovidos de “utilizadores vulneráveis” a “utilizadores prioritários”?
É cada vez mais consensual a necessidade de alterar, de forma decisiva e decidida, o modo como nos deslocamos nas estradas e nas ruas de Portugal, no sentido de promover padrões de mobilidade sustentáveis. Para uma parte crescente da população, a mobilidade ativa – e, em particular, o recurso à bicicleta em contexto quotidiano – oferece vantagens evidentes para a saúde, o ambiente e a economia. E ainda bem que assim é, pois constitui uma opção eficaz e eficiente, que beneficia mesmo quem (ainda) não pedala, especialmente nas cidades, onde o excessivo recurso ao automóvel acarreta elevados custos para indivíduos e sociedade.
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É cada vez mais consensual a necessidade de alterar, de forma decisiva e decidida, o modo como nos deslocamos nas estradas e nas ruas de Portugal, no sentido de promover padrões de mobilidade sustentáveis. Para uma parte crescente da população, a mobilidade ativa – e, em particular, o recurso à bicicleta em contexto quotidiano – oferece vantagens evidentes para a saúde, o ambiente e a economia. E ainda bem que assim é, pois constitui uma opção eficaz e eficiente, que beneficia mesmo quem (ainda) não pedala, especialmente nas cidades, onde o excessivo recurso ao automóvel acarreta elevados custos para indivíduos e sociedade.
No entanto, com exceção da dinâmica fileira industrial nacional, com epicentro em Águeda, que tem sabido explorar o crescimento da procura de bicicletas nos mercados europeus, Portugal está ainda (muito) longe de conseguir acompanhar a pedalada da maioria dos países da UE, acumulando custos económicos e ambientais significativos, e mantendo uma excessiva dependência energética do exterior, ao importar a maioria do combustível necessário ao setor dos transportes.
E tal sucede porque, para potenciar a desejada transição do atual padrão de deslocação para níveis sustentáveis, é fundamental garantir um conjunto de condições essenciais para que o chamado “modo ciclável” seja suficientemente atrativo, em comparação com o transporte individual motorizado.
Ora, por mais necessários (e bem-vindos!) que sejam os investimentos em infraestruturas e em sistemas de bicicletas partilhadas, estas medidas não são suficientes para estimular novos comportamentos em larga escala. Uma rede ciclável bem desenhada, construída e mantida, oferece uma sensação de maior segurança aos ciclistas que dela usufruem, funcionando como uma autêntica “incubadora” de novos utilizadores de bicicleta.
Contudo, não é possível servir todos os destinos “porta-a-porta”, nem evitar totalmente zonas de interação com outros utilizadores da rodovia. E é quando se analisam as razões subjacentes à dificuldade em generalizar a utilização da bicicleta no nosso país que se torna claro um problema que extravasa a dimensão dos transportes ou da sustentabilidade económica e ambiental, e se coloca ao nível da civilidade e do civismo.
Em termos legais, o enquadramento proporcionado pelo Código da Estrada atualmente em vigor é razoavelmente adequado para fomentar opções sustentáveis de circulação, em particular nos percursos inferiores a 5 km – que constituem a maioria das deslocações pendulares, e nas quais a bicicleta constitui normalmente a alternativa mais rápida, fiável e barata. No entanto, quem opta por pedalar sente diariamente que o cumprimento efetivo da Lei é insuficiente, despromovendo, na prática, o uso quotidiano da bicicleta.
Constata-se uma impunidade demasiado frequente face a comportamentos que ampliam desnecessariamente o risco para terceiros, em desfavor dos chamados “utilizadores vulneráveis” – do incumprimento generalizado das regras de ultrapassagem, à velocidade excessiva, ou ao estacionamento automóvel sobre ciclovias e passeios, entre outros. E, de facto, a insuficiente penalização e sensibilização em relação aos utilizadores da rodovia com maiores responsabilidades fomenta uma permissividade que tem custado (demasiadas) vidas humanas.
É neste contexto que será discutida, por estes dias, a petição subscrita por dez mil cidadãos e cidadãs, apelando ao Governo e demais entidades competentes uma alteração da situação atual [1]. São, apenas, a pequena parte visível de uma vasta maioria silenciosa, que se sente vítima de uma espécie de “bullying” rodoviário, e que, ou sujeita-se diaria e injustamente à “lei do mais forte”, ou opta por ir para o trabalho ou para a escola usando modos de transporte considerados “menos vulneráveis”.
A elevada sinistralidade rodoviária foi um fator determinante para que, na Holanda dos anos 70, começassem a ser tomadas medidas consistentes que transformaram progressivamente este país num modelo na área do transporte urbano individual, com a criação de uma extensa rede de ciclovias e programas de educação rodoviária, mas também com a aplicação exemplar da legislação. Não apenas por razões de racionalidade ambiental ou económica, mas porque se considerou inaceitável o número de fatalidades inevitavelmente provocadas pela excessiva primazia do automóvel nas cidades, em detrimento das pessoas.
Para quando, também por cá, como sucede em cada vez mais cidades por esta Europa, os peões e ciclistas serão promovidos de “utilizadores vulneráveis” a “utilizadores prioritários”? Porque esta não é uma questão por resolver apenas na área da mobilidade. Mas de justiça, e cidadania.
[1] Petição n.º 236/XIII/2ª , “Pelo Direito a Pedalar em Segurança”, promovida pela Federação Portuguesa de Ciclismo, Estrada Viva e MUBi, com discussão marcada para a reunião plenária da Assembleia da República do dia 1 de fevereiro de 2019, a partir das 10 horas.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico