O futuro negro do L’Humanité, o jornal mais vermelho de França
Durante décadas órgão oficial do Partido Comunista Francês, o L’Humanité está agora nas mãos dos tribunais. Se não juntar três milhões de euros rapidamente, as portas podem fechar-se em Fevereiro.
Ao fim de quase 115 anos de história, o jornal francês L'Humanité enfrenta por estes dias a maior luta da sua vida, enquanto espera por uma decisão do tribunal. Se não conseguir juntar rapidamente pelo menos três milhões de euros, o diário que foi durante décadas o órgão oficial do Partido Comunista Francês corre o risco de fechar portas no próximo mês.
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Ao fim de quase 115 anos de história, o jornal francês L'Humanité enfrenta por estes dias a maior luta da sua vida, enquanto espera por uma decisão do tribunal. Se não conseguir juntar rapidamente pelo menos três milhões de euros, o diário que foi durante décadas o órgão oficial do Partido Comunista Francês corre o risco de fechar portas no próximo mês.
A história recente do L'Humanité é semelhante a muitas outras um pouco por todo o mundo, com as quebras no número de assinantes e na venda de publicidade a empurrarem os jornais impressos para uma situação cada vez mais difícil.
Mas é a história centenária do L'Humanité como ponta-de-lança do comunismo francês por entre guerras mundiais, lutas estudantis, revoluções tecnológicas e profundas mudanças laborais que fazem dele um caso especial – e que está a motivar uma onda de solidariedade à esquerda e à direita.
"O jornal L'Humanité não costuma defender as minhas ideias. Mas tenho um profundo respeito pelos seus valores e pela exigência dos seus jornalistas", disse no Twitter o deputado Aurélien Pradié, dos Republicanos. E o apoio não se ficou pelas palavras: "O debate público precisa do L'Huma. Acabei de subscrever uma assinatura. Não hesitem..."
Outro deputado dos Republicanos, Julien Dive, também fez saber que assinou o L'Humanité – que classificou como "um monumento na paisagem mediática" – "em nome da pluralidade da imprensa".
"Temos de nos perguntar o que queremos dos media. O L'Huma é um jornal apaixonado e diferente", disse o deputado do centro-direita.
"Protecção cidadã"
A situação difícil do L'Humanité era conhecida há muito tempo, mas a verdadeira dimensão do problema só foi revelada esta semana. Num texto publicado na segunda-feira, o director, Patrick Le Hyaric, revelou que o jornal foi posto sob protecção do Tribunal de Comércio na semana passada.
Os salários dos 175 funcionários, 124 deles jornalistas, vão ser pagos este mês através de um fundo de garantia. O futuro para além de Fevereiro será conhecido na próxima quinta-feira, dia 7 – se o Tribunal de Comércio não aceitar a proposta de recuperação do jornal, o L'Humanité pode ter os dias contados.
"O principal problema não é uma questão de contabilidade. É uma questão política de primeira ordem, que questiona uma sociedade preocupada com a expressão do pluralismo das ideias, com a democracia", disse o director do jornal, queixando-se de que "nenhum banco se quis envolver" com o L'Humanité neste momento de crise.
Por isso, a direcção do jornal que organiza uma festa de Verão na qual se inspira a festa do Avante! português decidiu virar-se para os cidadãos em busca de ajuda: lançou uma campanha excepcional de assinaturas e vai organizar uma noite de solidariedade e angariação de fundos em Paris, no dia 22 de Fevereiro. E apelou ao Estado que "aprove novas iniciativas em defesa do pluralismo da imprensa e aumente a ajuda aos jornais diários com baixas receitas de publicidade".
"A partir de agora, pomos o L'Humanité debaixo de protecção popular e cidadã", disse Patrick Le Hyaric.
Sombra do capitalismo
Na redacção, não é só a possibilidade de encerramento que deixa os jornalistas e outros trabalhadores ansiosos, uma marca do forte compromisso ideológico com os ideais de esquerda.
"É provável que o L'Huma não desapareça, mas por causa da crise económica arriscamo-nos a ser comprados por um grupo capitalista que transformaria o nosso conteúdo ao sabor do mercado", disse o chefe de redacção do jornal, Jean-Emmanuel Ducoin, em declarações ao Irish Times.
Fundado em 1904 pelo histórico líder socialista Jean Jaurès (assassinado a 31 de Julho de 1914, quando se começavam a ouvir os canhões da I Guerra Mundial), o L'Humanité tornou-se na voz dos comunistas franceses a partir de 1920, com a cisão dos socialistas no Congresso de Tours.
Nas décadas seguintes manteve-se fiel à linha da União Soviética, com uma passagem pela clandestinidade durante a II Guerra Mundial, e muitas das suas primeiras páginas são hoje um testemunho do período da Guerra Fria.
Em 1953, no dia em que foi anunciada a morte de Estaline, o L'Humanité lançou para as ruas uma edição especial com um título em forma de lamento: "Luto por todos os povos que exprimem o seu imenso amor pelo grande Estaline." E quando os tanques soviéticos entraram na Hungria para esmagarem a revolução de 1956, o L'Humanité congratulou-se: "Budapeste volta a sorrir."