Ex-gestores da Caixa sob pressão devido a perdas "escondidas" nas contas
Mário Centeno subiu a pressão sobre o Banco de Portugal para actuar e apurar "eventuais responsabilidades contra-ordenacionais". Risco de prescrição existe, mas idoneidade pode ser chumbada.
O eventual não reconhecimento continuado de créditos incobráveis na CGD pode obrigar o Banco de Portugal (BdP) a equacionar pedir responsabilidades a ex-gestores do grupo e, no limite, a abrir processos contra-ordenacionais, ainda que os prejuízos apurados possam resultar de decisões de administrações anteriores. Parte substancial dos 10 mil milhões de euros de imparidades, contabilizadas pela Caixa entre 2011 e 2017, foram geradas durante a administração de Carlos Santos Ferreira, identificada por ter caucionado e aprovado créditos ou investimentos de favor, especulativos e orientados politicamente por José Sócrates.
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O eventual não reconhecimento continuado de créditos incobráveis na CGD pode obrigar o Banco de Portugal (BdP) a equacionar pedir responsabilidades a ex-gestores do grupo e, no limite, a abrir processos contra-ordenacionais, ainda que os prejuízos apurados possam resultar de decisões de administrações anteriores. Parte substancial dos 10 mil milhões de euros de imparidades, contabilizadas pela Caixa entre 2011 e 2017, foram geradas durante a administração de Carlos Santos Ferreira, identificada por ter caucionado e aprovado créditos ou investimentos de favor, especulativos e orientados politicamente por José Sócrates.
O ministro das Finanças, Mário Centeno, veio esta terça-feira aumentar a pressão sobre o BdP e sobre a administração da CGD para que não deixem impunes os responsáveis pelos actos de gestão que resultaram em elevados prejuízos para o banco. Entre 2011 e Setembro de 2018 os resultados negativos chegaram a 3416,8 milhões de euros. E, por essa via, os contribuintes foram chamados a injectar quase cinco mil milhões de euros na Caixa.
A iniciativa surge depois de o relatório de auditoria especial à CGD, encomendado pelo Governo à EY, ter sido tornado público, com conclusões graves: durante quase uma década o banco não cumpriu as regras de boa gestão e o ponto crítico deu-se no período entre 2005 e 2008, em que Carlos Santos Ferreira foi presidente. A factura chegou na década seguinte, com a Caixa a contabilizar, entre 2011 e 2017, cerca de 10 mil milhões de euros de imparidades: quase 5% da riqueza gerada em Portugal em 2017.
E perante este cenário, Centeno informou que instruiu a actual administração da Caixa, chefiada por Paulo Macedo, o ex-número dois de Carlos Santos Ferreira no BCP, para entrar em contacto com o Banco de Portugal no sentido de se avançar com o apuramento de “eventuais responsabilidades contra-ordenacionais”. A auditoria da EY foi remetida a 26 de Junho de 2018 para o BdP, para o Banco Central Europeu e para a PGR para retirarem ilações.
A auditoria à CGD deixou a porta aberta a que se tirem ilações sobre o facto de as administrações que se seguiram à de Carlos Santos Ferreira não terem reconhecido as imparidades geradas anteriormente por clientes que à partida não tinham condições de liquidar as suas dívidas. Como mencionado na auditoria da EY, no lote estão o grupo Matos Gil (La Seda, Artland, Selenis) e os investidores Joe Berardo e Manuel Fino. Apesar de estarem em situação de fragilidade financeira, a CGD renegociou os créditos e registou-os como viáveis. Ao não os imputar como incobráveis, o banco evitou reflecti-los nas contas. E, caso se confirme a tese, a verdadeira situação da Caixa não foi totalmente apresentada. Com os números melhorados, o Estado não teve de meter fundos para tapar os buracos abertos pelos devedores. Berardo e Fino tinham as suas dívidas sustentadas em acções cotadas que se desvalorizaram a partir de 2008, por exemplo.
O BdP veio já evocar que os processos contra-ordenações (instaurados em casos graves, como falsificação de contas ou incumprimento das regras) prescrevem ao fim de cinco anos, podendo ir até oito anos, se houver dossiês em aberto. Aparentemente, os actos praticados na Caixa com gravidade escapam a uma eventual punição do regulador. Já a avaliação de idoneidade de gestores que se candidatem a novos cargos não tem prazos e o BdP não autorizou dois antigos responsáveis da Caixa (os ex-administradores Norberto Rosa e Pedro Cardoso) a integrarem os órgãos de gestão do BCP e do Bison Bank (novo Banif Investimento). E está também a reavaliar gestores actualmente em funções.
Um alto quadro do BdP disse ao PÚBLICO o seguinte: “Admito que o BdP podia ter actuado, nomeadamente pedindo uma auditoria, quando as imparidades na CGD se começaram a agravar”, o que aconteceu em 2011. Mas não foi esse o caminho. E agora? “Agora”, acrescentou, “a possibilidade é, com base na auditoria da EY que aponta para actos ilícitos graves, que o BdP requeira ao MP o apuramento de responsabilidades criminais.” E que “colabore com as autoridades”.
No plano das responsabilidades criminais, a CGD seleccionou, por concurso, o gabinete de advocacia VdA para apurar as eventuais responsabilidades dos antigos gestores do banco nas perdas acumuladas nos últimos anos. Para acautelar críticas, a sociedade assinou uma declaração que garante que não existem conflitos de interesse. Isto, dado que João Vieira de Almeida, o líder da VdA, foi um dos rostos que apareceu a apoiar clientes opositores de Jardim Gonçalves, envolvendo-se activamente na luta de poder que se travou dentro do BCP. Um movimento que acabou por gerar uma perda para a Caixa de quase 600 milhões de euros. Um dos clientes da VdA é Manuel Fino, citado na auditoria da EY por ter provocado um rombo nas contas da Caixa de quase 200 milhões.
Apesar de estar há sete meses nas mãos da CGD, do BdP, do BCE e da PGR, o trabalho da EY só se tornou do domínio público a meio de Janeiro quando a ex-deputada do Bloco de Esquerda, Joana Amaral Dias, veio revelar (na CMTV) partes do relatório preliminar onde se identifica um padrão de gestão ruinosa no banco público. Com destaque para os responsáveis da Caixa entre 2005 e 2008, quando Armando Vara (actualmente a cumprir uma pena de prisão por tráfico de influência, nomeadamente por ter sido subornado com uma caixa de robalos) ocupava a cadeira de vice-presidente de Santos Ferreira.
Na equipa estava ainda Vítor Fernandes (actual administrador do Novo Banco que, em 2008, se mudou com Santos Ferreira e Vara da CGD para o BCP) e o governador do BdP, Carlos Costa, da administração de Santos Ferreira na Caixa, onde esteve de 2005 a 2007. E ainda José Ramalho, o ex-vice-governador do BdP de 2010 até 2018 (e presidente do Fundo de Resolução até 28 de Fevereiro de 2017). Ramalho foi administrador da CGD entre 2005 e 2010.