Deputadas esgrimem argumentos sobre quem é mais contra a violência de género

Bloco de Esquerda insiste no agravamento das penas para os crimes de violência doméstica e sexual mas os outros partidos defendem que se deve apostar antes na prevenção, sensibilização, e formação de todos os agentes envolvidos no processo.

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Manuel Roberto

Foi uma troca de argumentos um pouco estranha aquela em que várias deputadas se envolveram no plenário da Assembleia da República nesta quarta-feira à tarde sobre qual dos partidos mais se preocupa e apresenta iniciativas para combater ou punir a violência de género ou a violência sexual.

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Foi uma troca de argumentos um pouco estranha aquela em que várias deputadas se envolveram no plenário da Assembleia da República nesta quarta-feira à tarde sobre qual dos partidos mais se preocupa e apresenta iniciativas para combater ou punir a violência de género ou a violência sexual.

O assunto foi levado a debate pela deputada do Bloco, Sandra Cunha, cuja bancada fez descer sem votação a sua proposta para alterar a tipificação do crime de violação de modo a incluir nele qualquer acto sexual sem consentimento da vítima, tal como fizera o mesmo em Outubro com o diploma referente ao agravamento das molduras penais dos crimes de violência doméstica, abuso sexual e abuso sexual de crianças. Na altura, viu chumbadas propostas para criar tribunais exclusivos para julgar crimes de violência doméstica e o alargamento da prisão preventiva a esse tipo de crimes. 

A deputada falou da "vergonha, culpa e medo" das mulheres vítimas de violência doméstica e crimes sexuais, das 27 mil denúncias anuais, das 28 mulheres assassinadas em 2018, das mais de 500 nos últimos 15 anos e das mais de mil crianças que ficaram órfãs. Lembrou que "todos os dias, algures neste país, uma mulher está a ser violada".

"Sentamo-nos neste hemiciclo para proteger as mulheres", não se percebendo se estava apenas a falar dos deputados do Bloco se de todos os 230. "Vergonha e culpa devia ser aquilo que nós sentimos de cada vez que falhamos nessa protecção e a impunidade permanece", apontou, para dizer que "quem acha" que a lei já protege as vítimas, que os crimes desta gravidade não "normais" ou que "está tudo melhor e não é preciso mudar nada, despreza o facto de que das 404 condenações por violação em 2016 apenas 37% dos condenados cumpriram pena efectiva" e que 60% das queixas de violência doméstica são arquivadas.

A deputada Sandra Cunha citou ainda decisões antigas de tribunais que não classificaram o acto como um crime de violação porque não houve violência ou porque a vítima seduzira o agressor para criticar os acórdãos que desculpabilizam a violação.

"Manter este crime [da violação] como semipúblico é manter o poder do agressor sobre a vítima", afirmou, criticando ser necessário "reconhecer o óbvio" e "não aceitar que fique tudo igual". E rematou, desafiante: "O Bloco não falhará a estas mulheres. E os senhores e as senhoras deputadas vão continuar a pretender que tudo está diferente ou vão agir?"

A socialista Isabel Moreira não se conteve: "Este é um tema muito difícil e doloroso para todos e certamente o BE não tem o monopólio da defesa destas mulheres." A deputada, que é também jurista, defendeu que as pessoas podem discordar das soluções jurídicas sobre a tipologia dos crimes de violência de género, violência doméstica ou violação, se este último deve ser público ou semipúblico. "É diferente de cavar uma trincheira entre os que estão do lado destas mulheres e os que estão alegadamente calados sobre o assunto porque isso não é verdade", vincou.

Isabel Moreira defendeu a "centralidade" que o Governo PS tem dado à violência de género, admitiu que o crime de violação "deve ser reconfigurado" tendo em conta o consentimento mas não deve ser classificado como crime público por causa das consequências sociais para a própria vítima. Além disso, já não é um simples crime semipúblico uma vez que o Ministério Público já pode continuar o procedimento em certas circunstâncias, acrescentou a deputada socialista.

"Dizer que é possível fazer leis que impeçam todo o juiz ou juíza de fazer considerações sexistas ou misóginas não é verdade, é absolutamente mentira", criticou Isabel Moreira, dizendo mesmo que "é enganar as pessoas". E preferiu defender que o que é preciso é melhorar a formação para a igualdade e cidadania".

A centrista Vânia Dias da Silva também recusou que o Bloco possa ter o "exclusivo da questão" e elogiou os "sucessivos esforços de todos os governos na matéria". Apesar disso, lamentou o "números assustadoramente grandes" dos casos e os baixos das condenações. A deputada defendeu a acção na prevenção, no policiamento de proximidade, na formação dos agentes policiais, nas salas de apoio à vítima "que o CDS propôs e não saem do papel". "Se está com este Governo, faça mais; é esse o seu papel", desafiou.

A comunista Rita Rato aproveitou a onda crítica: "Ninguém pode dizer nesta câmara, como foi dito, que há alguém menos preocupado com os problemas de violência sexual, doméstica ou todas as formas de violência sobre as mulheres. Não é sério acharmos que alguns encaram isso de forma mais ligeira do que outros."

A deputada vincou que o combate à violência sexual ou doméstica "não se faz exclusivamente com base nas molduras penais" porque isso é "desvalorizar a prevenção, a sensibilização e a formação profissional". Mais importante que isso, considerou, "é a existência de serviços públicos de apoio à vítima - que hoje não existem - e que exigem uma resposta eficaz de prevenção, acompanhamento e combate eficaz".

Sandra Pereira, do PSD, haveria de seguir pela via da provocação depois de subscrever as medidas de prevenção mencionadas pelas outras deputadas. Disse que o Bloco "não pode lavar as mãos através de declarações ou iniciativas legislativas como se não tivesse responsabilidade nas políticas do Governo", acusando o partido de ser "cúmplice" porque aquele não as executa. "O que tem concretamente tem feito para que o Governo tenha políticas concretas?"

Sandra Cunha haveria de replicar que "ninguém tem a exclusividade destas questões e ainda bem. Discordar de soluções jurídicas é perfeitamente compreensível e aceitável, mas também seria necessário que estivessem em cima da mesa as soluções jurídicas."

E reconheceu que "as mulheres e meninas vítimas de crimes sexuais merecem muito mais do que a partidarite que estamos aqui a assistir hoje. Não se trata de exclusividade nem de monopólios de coisíssima nenhuma."

A deputada bloquista concordou com todas as estratégias de prevenção referidas - embora ele tenha falhado em muitos casos - mas insistiu na ideia de que é necessário "alterar a lei para garantir que a violação é um acto de violência em si". "Não estamos a centrar o debate nas molduras penais, mas sim na forma como o sistema judicial e a sociedade desvaloriza sistematicamente a violência sobre as mulheres e a violação, desresponsabiliza agressores e culpa as vítimas. O problema são as sentenças." Insistiu que "a lei não faz tudo, mas é um instrumento fundamental para alterar a realidade e a sociedade".