Gravações inéditas de José Afonso ao vivo vão ser editadas em Abril
José Afonso Ao Vivo reúne num álbum com dois CD e um LP gravações inéditas feitas em 1968 e em 1980. Com textos de Adelino Gomes e edição da Tradisom, foi posto em pré-venda esta terça-feira, às 0 horas.
Duas gravações inéditas com sessões musicais de José Afonso vão ser lançadas num livro-álbum de grande formato, com um LP e dois CD. As gravações, feitas por particulares à época e agora tratadas digitalmente, correspondem a duas apresentações distintas: a primeira em Coimbra, em 4 de Maio de 1968; e a segunda em Carreço (Viana do Castelo) em 23 de Fevereiro de 1980.
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Duas gravações inéditas com sessões musicais de José Afonso vão ser lançadas num livro-álbum de grande formato, com um LP e dois CD. As gravações, feitas por particulares à época e agora tratadas digitalmente, correspondem a duas apresentações distintas: a primeira em Coimbra, em 4 de Maio de 1968; e a segunda em Carreço (Viana do Castelo) em 23 de Fevereiro de 1980.
A história que rodeou tais gravações é contada pormenorizadamente, em vários textos, ao longo das mais de 80 páginas que tem o álbum, pelo jornalista Adelino Gomes, que desafiou memórias e desmemórias para chegar à verdade possível por detrás das duas sessões. Com chancela da Tradisom, o álbum tem lançamento marcado para 6 de Abril, em Carreço. Mas foi aberto esta terça-feira um processo de pré-venda, no site da editora. José Moças, da Tradisom, explica porquê. “As pessoas que comprarem o livro em pré-venda, até 20 de Fevereiro, vão ter o seu nome impresso no livro, como apoiantes do projecto.”
Num carro, por acaso, a ouvir música
Como se chegou até aqui? Devido a um extraordinário acaso, diz José Moças ao PÚBLICO: “Eu estava aqui em Vila Verde com o Júlio Pereira, num carro de um amigo nosso, vocalista de um grupo que já não existe, os Raízes, ele põe um CD a tocar no carro e eu digo ‘Mas isto é o Zeca!’ E estava a falar, não a cantar. E quando começa a música, o Júlio diz: ‘Ah, mas eu estou aí a tocar!’ Tinha sido um amigo dele, de Carreço, que gravara um concerto do Zeca lá. Pedi-lhe logo o contacto, fui ter com ele, e tudo começou assim, num encontro ocasional.” E haveria mais coisas? José Moças pôs-se a fazer as suas pesquisas e descobriu outra pista, uma foto colocada na internet com a indicação de um concerto em Coimbra, em 1968, que teria sido gravado pelo professor Jorge Rino, já jubilado. Contactou-o e ele tinha mesmo a bobina.
Com as duas gravações, o editor contactou a família de José Afonso e deu início ao processo que chegaria a bom termo. Mas, antes, era preciso alguém que fizesse um trabalho “a sério” de investigação em torno daquelas duas sessões musicais. A escolha acabou por recair no jornalista Adelino Gomes, o primeiro a entrevistá-lo quando José Afonso regressou a Lisboa em 1967, de barco, vindo de Moçambique, para se estabelecer como professor. E Adelino, após muitas conversas e contactos, iniciou uma pesquisa incansável que tomou forma numa série de textos que, incluídos na edição, não só seguem todas as pistas possíveis como estabelecem ligações entre aqueles dois momentos e a evolução do país nesses anos.
Episódios desconhecidos e comoventes
“Este é José Afonso fora dos holofotes, como foi colocado quase sempre”, diz Adelino Gomes ao PÚBLICO. “E fora também, neste caso, da historiografia do período que vai de Setembro de 1967 aos últimos dias de 1968 e que passou ao lado, 12 anos depois, da história exemplar de um crowdfunding à moda do Minho montado para o levar, com a banda de Júlio Pereira, ao palco de uma sociedade de instrução e recreio de uma pequena aldeia.” Foram vendidos bilhetes, mesmo sem saber a data do concerto, tal era a vontade de o ouvir por lá. “Este é apenas um entre vários desconhecidos e não raro comoventes episódios em que fui tropeçando ao longo do ano e meio que dediquei, a partir de certa altura quase em exclusivo, a esta pesquisa.” Da Coimbra de 1968 a Carreço, freguesia de Viana do Castelo, em 1980, vão, diz Adelino, “dois pedaços da história de vida de um cidadão que regressa de Moçambique decidido a dedicar-se por inteiro ao ensino, mas a quem as perseguições da ditadura acabaram por empurrar para uma gigantesca sala de aulas que eram os convívios de estudantes, os cineclubes, os parques de campismo. Além, claro de canções que num ou noutro programa de rádio vão passando ao crivo da censura. E dos textos que vão saindo num ou noutro jornal, para indignação da imprensa do regime. Textos às vezes sem o seu nome, mas só dele falando, como aconteceu na metade de um parágrafo que José Carlos de Vasconcelos conseguiu colocar na reportagem que fez para o Diário de Lisboa da sessão de 4 de Maio de 1968, em Coimbra, cuja gravação na íntegra é agora apresentada pela primeira vez.”
O desafio, após a “descoberta” de José Moças, foi-lhe lançado pela família de José Afonso: “Aceitei porque razões óbvias, mas confesso que nunca pensei que os obstáculos fossem tantos. Para lá daquilo que julgava saber, encontrei buracos enormes que a censura nos legou.” Mas valeu o esforço, diz: “Espero que esta iniciativa da Tradisom seja um contributo para impedir aquilo que nossa desmemória se encarregaria de apagar em definitivo.”