A tabela periódica saltou para a rua e vai estar aí o ano todo
As comemorações do Ano Internacional da Tabela Periódica já começaram. Em Portugal, arrancaram agora com a formação de tabelas periódicas humanas em várias cidades e seguir-se-ão outras actividades.
É oficial: as comemorações dos 150 anos da tabela periódica dos elementos químicos já começaram. O Ano Internacional da Tabela Periódica – declarado assim pelas Nações Unidas – foi lançado esta terça-feira em Paris pela UNESCO e pela União Internacional de Química Pura e Aplicada.
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É oficial: as comemorações dos 150 anos da tabela periódica dos elementos químicos já começaram. O Ano Internacional da Tabela Periódica – declarado assim pelas Nações Unidas – foi lançado esta terça-feira em Paris pela UNESCO e pela União Internacional de Química Pura e Aplicada.
Em 1869, o químico russo Dmitri Mendeleiev contribuiu para uma revolução na ciência ao propor uma organização para os elementos químicos até então conhecidos. Se na altura eram 63, hoje são 118. Mendeleiev preparou uma comunicação em russo sobre esta classificação sistemática dos elementos químicos para ser apresentada a 6 de Março de 1869 na Sociedade Russa de Química e, mais tarde, ainda em 1869, numa breve nota na revista alemã Zeitschrift für Chemie.
Em Portugal, haverá várias iniciativas para comemorar a tabela periódica de Mendeleiev durante o ano. Da responsabilidade da Sociedade Portuguesa de Química, estas celebrações arrancaram também esta terça-feira com a formação de tabelas periódicas humanas em 12 cidades de Portugal continental e da Madeira. O PÚBLICO acompanhou a festa em Lisboa, em Braga e no Porto.
Das criações mais importantes da história das ciências
No meio de outros estudantes, funcionários, investigadores e professores do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, Filipe Rosa segurava uma placa que tinha imprimido o símbolo de um elemento químico: o césio. O aluno de engenharia química preferia ter ficado com o gálio, mas também não estava descontente com o elemento químico que teve de encarnar na tabela periódica humana. Afinal, Filipe Rosa, de 19 anos, gosta de metais líquidos à temperatura ambiente como o césio e o gálio. “Acho piada aos metais líquidos porque uma pessoa olha para um metal e pensa que não se dobra. Mas os metais líquidos são muito interessantes”, conta, enquanto ouve o apito e as ordens de Henrique Matos, um dos vice-presidentes do Departamento de Engenharia Química.
Vestidos com uma t-shirt com uma tabela periódica que mostra a escassez e a abundância dos elementos químicos, 120 participantes – 118 para os elementos químicos e dois que representaram os lantanídeos e dos actinídeos – deram vida à tabela periódica na Alameda do IST. “Verifiquem se o cartaz está direito! Quando apitar, viram-se [da Alameda] para o edifício do Departamento de [Engenharia] Química”, avisou Henrique Matos. E, no momento da viragem, foram tiradas fotografias da torre do edifício e um drone captou o momento.
Nesta tabela periódica – onde se fizeram ondas e houve muitos risos – estava o físico Luís Oliveira e Silva. “É fundamental”, disse o físico a sorrir sobre a tabela periódica. “Muitos dos avanços da mecânica quântica são motivados por estudos que foram feitos a estruturas dos átomos como o hidrogénio”, exemplifica. O também presidente do conselho científico do IST até ia preparado para segurar a placa do einstéinio (nome dado em homenagem a Albert Einstein), mas acabou por ficar com o lítio. “Já me disseram aqui que o lítio tem aspectos positivos e negativos: é um elemento fundamental para a construção das baterias, mas também é usado na química medicinal para o tratamento de depressões.”
A observar a formação desta tabela periódica esteve Jorge Calado, químico e professor emérito do IST. Ao olhar para as várias placas com os elementos químicos, foi lembrando curiosidades sobre alguns elementos. “Ali está o rádio descoberto pela Madame Curie”, apontou.
Para o químico, a tabela periódica é uma das criações mais importantes da história das ciências. “É tão importante como a gravitação de Newton ou a teoria da evolução de Darwin”, afirmou. Sobre Dmitri Mendeleiev, considera-o um visionário: “Foi o primeiro que fez algo que englobava praticamente os elementos todos que se conheciam.”
Nesta tabela humana esteve também Teresa Duarte, presidente do Departamento de Engenharia Química e uma das organizadoras das comemorações do Ano Internacional da Tabela Periódica no IST. “Penso que as pessoas no dia-a-dia não se apercebem de que a tabela periódica está na base de tudo”, referiu, indicando que ao longo do ano ainda haverá várias actividades no IST para o mostrar, como a Noite da Tabela Periódica (a 6 de Março), onde se jogará o bingo com a tabela periódica; conferências sobre o tema, nomeadamente uma com Jorge Calado (a 19 de Fevereiro, às 12h); e a viagem da tabela periódica a escolas desde o ensino primário até ao 9.º ano.
Por agora, na tabela periódica desta terça-feira, Teresa Duarte encarnou o gálio que Filipe Rosa tanto queria. “Se soubesse, podíamos ter trocado”, brincou Teresa Duarte. Mas, no final, o estudante diz que nem se importou: “Não estava à espera, mas foi engraçado e até estavam professores no meio.” Agora ficou com vontade de acompanhar o resto das actividades ao longo do ano.
Num lugar diferente, a mesma linguagem
Em Braga, a chuva ditou uma mudança de planos. O centro da cidade, rico em edifícios barrocos e neoclássicos construídos com o silício e o alumínio que compõem o granito, deu lugar ao cimento – rico em elementos como o silício e o cálcio – e à madeira – como o carbono – do pavilhão desportivo da Universidade do Minho. Sem a audiência prevista, os 118 alunos de duas escolas secundárias do concelho – Alberto Sampaio e Sá de Miranda – dispuseram-se segundo o formato da tabela periódica e ergueram os seus elementos químicos, ligeiramente inclinados para o tecto, de forma a serem captados pelo drone que pairava sobre as suas cabeças.
Todos eles envergavam uma t-shirt com uma tabela periódica a indicar quais os elementos cujas reservas mais abundam no planeta – hidrogénio, carbono, azoto e oxigénio, por exemplo – e aqueles em risco de escassez nos próximos 100 anos, como a prata e o zinco. Coube a Margarida da Costa Rodrigues, aluna do 12.º ano na Sá de Miranda, exibir o cartaz laranja correspondente ao zinco, presença habitual nas ligas metálicas. Ao PÚBLICO, a estudante realçou que é importante a população “conhecer um pouco a tabela periódica”, até para se ter a noção dos usos de cada elemento químico no dia-a-dia.
Se o zinco faz parte do quotidiano humano, o mesmo não se verifica com outros elementos. Alguns deles só existem graças às experiências realizadas em laboratório. É o caso de todos os elementos mais pesados do que o urânio, com núcleos que variam entre 93 e 118 átomos e nomes criados a partir de lugares e de investigadores relevantes na história da ciência. Um deles homenageia precisamente o autor da tabela periódica.
Ciente de que o mendelévio é um elemento radioactivo e artificial, Diana Leite quis participar na iniciativa para “mostrar a relevância da tabela periódica” e o seu gosto pela química. “Tenho especial curiosidade em conhecer as propriedades dos elementos, em saber como funcionam”, assumiu a estudante do 10.º ano da Escola Secundária Alberto Sampaio. Já Gonçalo Gomes, aluno do 11.º ano do ensino profissional na Sá de Miranda, ergueu o bóhrio – uma alusão a um dos primeiros teóricos da física quântica, o dinamarquês Niels Bohr – e salientou que a tabela periódica humana é uma contribuição para divulgar a ciência.
Uma das professoras de física e química que acompanhou a iniciativa, Maria Rosa Sousa, elogiou os alunos pela adesão e também pela rapidez com que prepararam os cartazes. “Só perdemos 45 minutos de aula a fazer os cartazes. Estes alunos são bastante interessados”, realçou a docente da Alberto Sampaio.
Apesar de reconhecer as perdas de “impacto e visibilidade” com a mudança de local, o coordenador da iniciativa em Braga, João Paulo André, defendeu que a mensagem principal foi à mesma transmitida: a tabela periódica é talvez a linguagem universal de mais imediata compreensão. “Os elementos químicos são os mesmos na Terra, nos astros mais próximos e num Universo muito distante. Tal como se constroem as palavras todas com o alfabeto, obtêm-se todos os compostos com os elementos”, realçou o docente de química inorgânica na Universidade do Minho.
“A química vai estar na rua este ano”
No Porto, mesmo antes das 9h, a hora marcada, era vê-los chegar à estátua de Almeida Garrett, junto à Câmara Municipal. Quase 1200 alunos de 16 escolas do distrito vieram para celebrar o dia oficial de abertura das comemorações do Ano Internacional da Tabela Periódica. A Câmara do Porto associou-se à iniciativa e em conjunto com a Faculdade de Ciências e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e ainda o Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) e a Sociedade Portuguesa de Química, acolheram esta terça-feira investigadores, estudantes, professores e curiosos.
À chegada, os alunos recebem uma t-shirt, um diploma de participação e uma capa para a chuva, cuja cor está de acordo com o bloco que vão representar. O azul representa o bloco s, o laranja o bloco p. O vermelho está para o bloco d como o verde está para o bloco f desta tabela periódica.
Entre muitos “ó stora” e “tenho mesmo de vestir isto?”, lá se equipam. Enquanto esperavam para formar a tabela periódica humana, os alunos iam convivendo em pequenos ou grandes grupos. Matilde Ferreira, do Colégio Internato dos Carvalhos, veio acompanhada de 55 colegas do 11º e 12º ano. Confessa que não sabe em que bloco está porque “não prestou muita atenção”, mas diz que “se pudesse ser um elemento químico seria o ouro porque brilha” ou o oxigénio “porque sem ele não estaria aqui”.
Na hora de formar a tabela que até teve drones à mistura, ouve-se A canção da tabela periódica, criada pelo canal de Youtube AsapSCIENCE (canadiano) e que ganhou uma versão actualizada no ano passado. Cada placa de cada elemento químico tem dois estudantes que a seguram. Os alunos são coordenados pelas vozes e palmas dos organizadores que lhes dizem quando as devem levantar e baixar, enquanto os colegas que não puderam participar aplaudem nas laterais.
Cristina Matos, professora no ISEP e organizadora da actividade, afirma que com 1200 alunos é difícil envolve-los a todos na elevação da tabela periódica sem dar confusão. No entanto, garante que “há representantes de todas as escolas que vão efectivamente participar”.
Já a professora de Físico-Química Natália Cunha trouxe consigo 25 participantes da Escola Secundária de Inês de Castro. “Trouxemos os alunos de 10º ano porque a matéria que estamos a dar neste momento é precisamente a tabela periódica, portanto tinha toda a lógica vir a este tipo de actividade.”
Com as alterações aos programas escolares, a professora afirma que têm de dar mais autonomia aos alunos, e isso também passa por saberem conviver em grupo, virem da escola sozinhos e, por fim, saberem decidir quem de todos iria representar os elementos químicos na formação humana porque só uma parte deles o poderia fazer.
“Tudo isto prepara os nossos alunos para o futuro, não só no aspecto académico, mas também em tudo o que se relaciona com a tabela periódica. Mesmo que não estivéssemos a leccionar isto, traríamos os alunos na mesma porque sendo eles da área das ciências e tecnologias, a tabela é sempre transversal a vários assuntos”, diz Natália Cunha.
Na despedida, vários organizadores apelam a que esta celebração se alastre a outras escolas e faculdades do país e deixam o mote “a química vai estar na rua este ano”.