O Ministério Público não veste Prada. Mas devia
O Ministério Público, independente e autónomo, tem de aproveitar todas as potencialidades da era moderna.
Prada, conhecida marca italiana de vestuário e acessórios de moda, cultiva uma estética caracterizada pela simbiose da modernidade futurista com a sofisticação clássica do minimalismo, discrição, distinção e adequação confortável à vida na sociedade actual.
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Prada, conhecida marca italiana de vestuário e acessórios de moda, cultiva uma estética caracterizada pela simbiose da modernidade futurista com a sofisticação clássica do minimalismo, discrição, distinção e adequação confortável à vida na sociedade actual.
Marca global, os seus slogans mais recentes traduzem o conceito que fez o seu sucesso económico: “a hint of the past, with a look to the future”.
O Ministério Público (MP) teria a ganhar se, com arrojo, adoptasse o mesmo conceito, isto é, se descartasse um pouco da sua institucionalidade lenta e concêntrica e pusesse em funcionamento uma estrutura leve, rápida, elegante e moderna, sem perder o toque de classicismo que a sua longa existência cunhou como corpo do Estado que promove a Justiça.
Estou em crer que nas excelentes escolas de gestão do país haverá especialistas capazes de criar um modelo gestionário específico para o MP, ágil e voltado para o futuro, sem perder de vista o importante cometido funcional multifacetado, outorgado na Constituição, nem a sua natureza de órgão integrado no judiciário.
Está para breve a publicação de um novo Estatuto do Ministério Público (EMP), agora em fase de discussão na especialidade, no âmbito do poder legislativo. A proposta legal correspondente (147/XIII) permitirá concluir a um leitor curioso e com um módico de compreensão sobre eficiência organizacional que, a par de algumas novidades estruturantes, se mantêm e até aumentam as camadas hierárquicas, cujas competências, ora porque sobrepostas e replicadas, ora porque de formulação algo vaga, não consubstanciam soluções de eficácia, leveza e celeridade, uma vez que parecem transferir-se em modo ascendente até ao decisor mais elevado.
Espera-se de uma lei estatutária que incorpore um conjunto de regras básicas de organização e funcionalidade, concretizadas em soluções que permitam cumprir com eficácia e rapidez a missão do corpo profissional ao qual se destinam. A sociedade actual enfrenta realidades criminais de avançado status, as quais, seja na vertente organizativa seja na vertente operacional, estão já na versão 4.0. A cibercriminalidade é todo um mundo de possibilidades lesivas dos valores sociais que obriga a uma estratégia de antecipação, só possível com formação intensiva e moderna dos que a hão-de combater.
Problema que muito bem salientou a procuradora-geral da República (PGR), discursando na abertura do ano judicial, ao referir que a cibercriminalidade reclama constante atenção e o incremento de modelos ágeis, que previnam o crime (na sua variante de ciberterrorismo) e que permitam uma perseguição judiciária eficaz sobre os agentes. Acresce a criminalidade económico-financeira, multicontinental, radicada em práticas de grande originalidade e assessorada por autênticos mavericks da engenharia monetária.
De resto, numa alocução mais entusiasmante e até corajosa, a PGR aludiu o baixo índice de confiança na Justiça por parte da sociedade portuguesa, “cujas razões subjacentes são conhecidas ou facilmente intuídas”, o que de per si permite augurar uma sincera preocupação pessoal, a erigir em argumento motivador do seu exercício dirigente. Importará contrariar com a prática diária essa pouco favorável imagem e, do mesmo passo, construir a reputação positiva que deveria associar-se às funções do Estado.
A proposta de lei para o novo Estatuto do MP, ainda que formalmente proveniente do Governo (MJ), é elaborada com base em contributos de grupos de trabalho específicos e incorpora sugestões de diferentes origens, PGR, CSMP, SMMP, entre outros.
A par de uma ou outra solução organizacional inovadora, a pulverização de poderes de direcção, hierarquia e intervenção processual por uma estrutura dirigente constituída por nove camadas sobrepostas, estabelecidas do vértice para a base, constituirá um viés para conseguir o elevado grau de eficiência e a celeridade – cfr. e.g. o art.º 14.
No terceiro patamar desta escala de poder estão os procuradores-gerais regionais (PGReg), designação que substitui o que hoje são os procuradores-gerais distritais (PGD). Corresponde-lhes um poder decisório delimitado ao espaço geográfico coincidente com a competência territorial dos Tribunais da Relação.
Repetindo o texto da lei anterior, em matéria de direcção, o poder dos PGReg coincide com o poder do procurador-geral da República, sendo apenas encurtado em abrangência subjectiva pela delimitação territorial. Desígnio de clareza, aconselharia uma definição material e minuciosa desses poderes.
Exercendo num âmbito regional por períodos temporais em que o limite se vê ao longe, os PGReg têm o poder de atribuir processos concretos a magistrado diferente daquele a quem foi sorteado, apenas com fundamento em razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou quando a repercussão social o justifique. Ou seja, critérios demasiado genéricos, facilitando graus de subjectividade.
É ainda competência dos PGReg proceder à graduação dos procuradores a colocar nos DIAP regionais, quatro novas estruturas orgânicas instaladas ao nível dos distritos judiciais, os quais têm as mesmas especiais e sensíveis competências investigatórias que o DCIAP, embora o acto formal de colocação caiba ao Conselho Superior do MP (CSMP).
O Ministério Público, independente e autónomo, perdurará pelos tempos de uma sociedade democrática e tem de aproveitar todas as potencialidades da era moderna, estabelecendo uma comunicação mais pessoal, atempada e esclarecedora, de preferência no prime time televisivo.
Deveria dar lugar de destaque às vítimas, incluindo nesse grupo os que possam ser vítimas da eventual inércia profissional dos seus magistrados. Não se exigiria que o EMP albergasse regras de conduta específicas para a interacção dos magistrados com vítimas, mas seriam bem-vindas directivas que considerassem preferencialmente comunicações pessoais, particularmente em casos que provocam forte impacto emocional e sentimento generalizado de compaixão na comunidade.
Distância institucional e a frieza de comunicações segundo o formalismo mais estrito contribuem pouco para a boa imagem de um corpo do Estado que é de acção e iniciativa, sobretudo em prol dos cidadãos mais vulneráveis. Esperamos para ver o que o poder legislativo será capaz de inovar.