Um Ministério para lá de desconcertante
O capital da ministra — o seu domínio perfeito da máquina administrativa do Estado — esvaziou-se com a desastrada nomeação de Susana Graça para a DGArtes.
Menos de um ano após o pico dos protestos de um sector a que um Governo liderado por António Costa e apoiado pela esquerda tinha tudo para agradar, e a escassos dias da entrada em vigor de um novo modelo de apoio às artes reformulado precisamente para o apaziguar, a notícia da nomeação de uma nova directora-geral das Artes, logo seguida da notícia de que a mesma nomeação ficava afinal sem efeito, seria apenas anedótica se não confirmasse o insólito padrão de inabilidade que parece caracterizar a relação do PS com a Cultura.
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Menos de um ano após o pico dos protestos de um sector a que um Governo liderado por António Costa e apoiado pela esquerda tinha tudo para agradar, e a escassos dias da entrada em vigor de um novo modelo de apoio às artes reformulado precisamente para o apaziguar, a notícia da nomeação de uma nova directora-geral das Artes, logo seguida da notícia de que a mesma nomeação ficava afinal sem efeito, seria apenas anedótica se não confirmasse o insólito padrão de inabilidade que parece caracterizar a relação do PS com a Cultura.
Susana Graça teria sido a quarta titular do cargo desde que o actual Governo entrou em funções – não chegará a sê-lo porque, logo após o anúncio da nomeação (a decisão e a contra-decisão chegaram às redacções com cinco horas e 11 minutos de intervalo), a ministra tomou conhecimento de que a pessoa que escolhera tem um litígio com o organismo que iria passar a dirigir a 1 de Fevereiro. Que a própria não o tenha comunicado à tutela antes de aceitar as funções é absurdo, mas será menos absurdo que os assessores jurídicos do Ministério da Cultura não tenham podido aperceber-se desse óbice antes do anúncio da passagem de testemunho, que Graça Fonseca disse à Lusa estar a ser preparada "há quase um mês"? E que os serviços da DGArtes – pressupondo que estavam a par de tão ponderada mudança – não tenham informado a ministra do processo judicial que lhes fora movido pela ex-futura-directora-geral?
Quando, daqui a poucos meses, voltar a entrar em campanha, António Costa não terá, numa área em que parecia condenado a fazer um brilharete depois do Governo Passos Coelho, muito de que possa gabar-se. Aprovou uma fracturante Lei do Cinema cuja regulamentação Graça Fonseca já admitiu que é preciso melhorar; aprovou um ainda mais fracturante modelo de apoio às artes cuja contestação se tornou viral ao ponto de até a oposição à direita ter podido cavalgá-la; e prepara-se (se não houver mais adiamentos) para aprovar um novo regime jurídico de autonomia para os museus consensualmente considerado insuficiente.
Em Outubro, a nomeação de Graça Fonseca para tomar conta de uma pasta em que António Costa já tinha errado duas vezes (primeiro com João Soares, depois com Luís Filipe Castro Mendes) parecia servir a narrativa de que o primeiro-ministro queria apenas alguém que lhe desse a garantia de resolver problemas, em vez de os criar. Mas o capital com que a nova ministra podia compensar a desvantagem de ter um conhecimento residual da área que veio tutelar – o domínio perfeito da máquina administrativa do Estado, essencial para desbloquear dossiers com a complexidade do novo regime para os museus, que o Governo não se pode dar ao luxo de não concretizar antes de sair de cena, e para dar estabilidade a organismos cruciais como a DGArtes – esvaziou-se esta sexta-feira, após a atribulada notícia da nomeação que não chegou a sê-lo.
Desconcertante é a primeira palavra que vem à cabeça quando se faz rewind aos últimos três anos e meio de governação cultural, mas começa a ser pouco: é possível que este Ministério da Cultura não tenha pura e simplesmente conserto. A sorte, para António Costa, é que terá mais quatro anos para voltar a tentar.