O mesmo lugar, a mesma empresa, o mesmo desastre — mais uma barragem mata no Brasil
Há 34 mortos confirmados e quase 300 desaparecidos após o colapso da barragem de uma mina perto de Belo Horizonte. Como tantas outras no país, estava no sítio errado e foi feita com materiais inadequados.
Três anos depois da derrocada de uma barragem pertencente a um complexo mineiro em Minas Gerais que provocou um dos maiores desastres ambientais no Brasil, a tragédia repetiu-se, no mesmo estado e com a mesma empresa, a Vale. Na sexta-feira, três represas ruíram — já há 34 mortos confirmados e cerca de 300 desaparecidos.
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Três anos depois da derrocada de uma barragem pertencente a um complexo mineiro em Minas Gerais que provocou um dos maiores desastres ambientais no Brasil, a tragédia repetiu-se, no mesmo estado e com a mesma empresa, a Vale. Na sexta-feira, três represas ruíram — já há 34 mortos confirmados e cerca de 300 desaparecidos.
Na manhã deste sábado, o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, sobrevoou a zona onde aconteceu a tragédia, Brumadinho, na região de Belo Horizonte. “É difícil ficar diante de todo este cenário e não se emocionar”, escreveu Bolsonaro no Twitter. “Faremos o que estiver ao nosso alcance para atender as vítimas, minimizar danos, apurar os factos, cobrar justiça e prevenir novas tragédias como a de Mariana e Brumadinho, para o bem dos brasileiros e do meio ambiente”, acrescentou.
Mariana foi o desastre de há três anos, em 2015, quando uma represa provocou a derrocada de outra, fazendo alastrar pela zona milhões de litros de água contaminada com níquel, ferro e sílica.
Mariana armazenava 50 toneladas de resíduos, Brumadinho apenas uma. O desastre ambiental pode ser agora menor. Uma quantidade de água equivalente ao que comportam 20 mil piscinas olímpicas criou um maremoto de lama que afogou e soterrou.
“Depois de três anos do grave crime ambiental em Mariana, com investigações ainda não concluídas e sem responsáveis punidos, a história repete-se com a tragédia em Brumadinho. É inadmissível que o poder público e as empresas mineradoras não tenham aprendido nada”, escreveu no Twitter a ecologista Marina Silva, que foi ministra do Ambiente e se candidatou às eleições presidenciais que Jair Bolsonaro venceu no final do passado.
Empresas contra meio ambiente — é esta a guerra que se trava nos estados brasileiros de grande actividade de mineração, como Minas Gerais. Sempre que há uma derrocada, o debate é reaberto, com os ambientalistas e os especialistas em segurança nas minas a alertar para os riscos que a liberdade dada às empresas sobre o modelo de barragens que constroem implica para a vida humana e para o ambiente.
Há neste momento 450 barragens em Minas Gerais e 22 delas são instáveis — a de Brumadinho estava nesta categoria —, diz um relatório da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais citado pela edição brasileira do jornal El País. Já o jornal brasileiro Folha de São Paulo conta que a reunião de Dezembro em que foi renovado o licenciamento desta barragem de três represas foi “tensa”, precisamente porque foram mencionados os riscos de colapso; ainda assim, auditorias de empresas estrangeiras consideraram-na apta.
Brumadinho, como Mariana e outras represas associadas à mineração que ruíram nos últimos anos no Brasil eram barragens de rejeição, construídas para acumular os resíduos sólidos e de água nocivos para o ambiente e que por isso devem ficar retidos. Foram construídas segundo uma perigosa política de contenção de custos que é cada vez mais usada pelas empresas de mineração no país, explicaram especialistas ao El País Brasil. Foram construídas a montante, quando deviam ser construídas a jusante. E foram feitas a partir da compactação de terra e usando os próprios resíduos, em vez de terem sido usados materiais resistentes a fugas, como pedra e argila.
“A estrutura rompeu devido à sua própria fragilidade. Não temos noção do risco em Minas Gerais. Cidades podem desaparecer de uma hora para outra”, disse ao El País Brasil Marcus Vinícius Polignano, da Universidade Federal de Minas Gerais.
“O licenciamento ambiental é ridículo no Brasil. Para as empresas, é economicamente favorável construir esse tipo de barragens, mas elas representam um risco. Se a lei proibisse a construção de barragens a montante acima de comunidades humanas, como fazem muitos países, teríamos menos desastres”, afirmou ao mesmo jornal Guilherme Meneghin, promotor da investigação ao desastre de Mariana.
O debate vai prosseguir, sobretudo depois das palavras de Jair Bolsonaro, que tem colado a si o rótulo de não ser um presidente preocupado com o meio ambiente — ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e defende a redução de áreas protegidas a favor da sua exploração económica.
Sobrevoando Brumadinho, Bolsonaro prometeu actuar para defender os brasileiros e o meio ambiente. Depois do desastre de 2015, a Vale chegou a um acordo com o Estado para pagar prejuízos ambientais — que se estenderam por dois estados, Minas Gerais e Espírito Santo — que anulou os processos nos tribunais; as 400 famílias afectadas nada receberam.
Neste sábado, o Governo brasileiro multou a Vale em 250 milhões de reais devido à derrocada em Brumadinho, cerca de 58 milhões de euros.
Agora, o prejuízo ambiental poderá ser menor, mas parece certo que morreu muito mais gente. “Infelizmente, neste momento, as possibilidades de encontrarmos sobreviventes são mínimas”, disse o governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Quinze famílias (50 pessoas) foram encontradas pelos socorristas neste sábado — estavam sobre pequenas ilhas de terreno que ficaram acima da lama. Mas no autocarro com trabalhadores da Vale que também foi encontrado estavam todos mortos — e os socorristas ainda não chegaram à cantina da empresa, que estava cheia quando as toneladas de água e lama se libertaram.
Um dos desaparecidos chama-se Josué Oliveira da Silva, tinha 27 anos e começara a trabalhar na Vale, como soldador, há uma semana. “O telefone toca, toca, mas...”, disse ao site G1, do Globo, o pai de Josué, José Silva. Renato Simão de Oliveiras foi encontrado pelos jornalistas da BBC quando procurava o irmão nos hospitais. “Telefonei-lhe várias vezes, mas não me responde”, disse, explicando que os familiares dos desaparecidos não sabem o que fazer ou a quem fazer perguntas. “Sentimo-nos completamente perdidos.”