Morreu Michel Legrand, que deu uma banda sonora à Nouvelle Vague (e ganhou Óscares com filmes americanos)
O compositor ganhou três Óscares. Trabalhou com Ray Charles, Frank Sinatra e Édith Piaf, mas o "instante decisivo" foi sem dúvida o seu encontro com Jacques Demy.
O músico e compositor Michel Legrand, criador de várias bandas sonoras de filmes da Nouvelle Vague francesa, morreu este sábado aos 86 anos, anunciou o seu assessor de imprensa.
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O músico e compositor Michel Legrand, criador de várias bandas sonoras de filmes da Nouvelle Vague francesa, morreu este sábado aos 86 anos, anunciou o seu assessor de imprensa.
Ao longo de mais de 50 anos de carreira, ganhou três Óscares (o primeiro em 1968, pela canção The windmills of your mind, da banda-sonora de O Caso Thomas Crown; os seguintes em 1971 e 1983, pelas bandas-sonoras de Verão de 42 e Yentl, respectivamente) e trabalhou com personalidades como Ray Charles, Orson Welles, Frank Sinatra, Jean Cocteau, Jacques Demy, Charles Trenet ou Édith Piaf. Foi ainda vencedor de cinco Grammys.
Estabeleceu-se como orquestrador para outros artistas, mas na década de 1960 começou a compor bandas sonoras para cinema com o surgimento da Nouvelle Vague, trabalhando com realizadores como Jacques Demy, Agnès Varda (Cléo das cinco às sete) ou Jean-Luc Godard (Bando à Parte).
De entre a sua extensa obra, e de entre as muitas colaborações com grandes (e pequenos) nomes do cinema, o “instante decisivo” foi, sem dúvida, o seu encontro com Jacques Demy. É impossível pensar na música de Legrand sem as imagens de Demy, é impossível pensar no cinema de Demy sem as notas de Legrand. Muita da força de filmes como Os Guarda-chuvas de Cherburgo ou As Donzelas de Rochefort vem duma concepção absolutamente integrada do cinema e da música, onde esta, longe de ser apenas “acompanhamento”, habita radicalmente – ou seja, desde a raiz – a estrutura dos filmes.
Se nesses filmes Demy e Legrand “reinventaram” o musical como espectáculo popular, a reinvenção vinha daí, do entendimento de cinema e música como um mesmo tronco, indissociável. “Nem sempre nos ouvimos, mas sempre nos compreendemos”, dizia Legrand da sua colaboração de décadas com Demy, que foi do princípio ao fim (foi de Legrand a música do derradeiro Demy, Trois Places pour Le 26, de 1988), com algumas interrupções significativas: músico da alegria e da melancolia luminosa, Legrand não se dava bem com a violência nem com o negrume, e quando, no princípio dos anos 80, Demy lhe apresentou o projecto de Une Chambre en Ville, regresso ao “em cantado” mas agora em tonalidades violentas e nocturnas (é facilmente o mais deseperado filme de Demy), o compositor teve de recusar – “isso não sou eu”. E Demy teve de ir pedir a música a outro compositor, Michel Colombier.