Alforrecas, GPS e Justiça
Os juízes condenaram a agência de viagens a devolver à Joana e à família o que tinham pago acrescido dos danos morais. No Verão seguinte, provavelmente, foram para a montanha...
Já lá vão alguns anos, a Joana comprou, para si, para o seu marido e para a sua filha, umas “férias de sonho” na República Dominicana com “uma praia de água límpida e transparente”. Aí chegados, constataram, na manhã seguinte, que a água era escura e continha alforrecas, tendo logo nesse mesmo dia, na primeira ida à praia, sido picadas pelas alforrecas algumas pessoas do grupo turístico de que fazia parte a Joana, tendo uma de receber tratamento médico.
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Já lá vão alguns anos, a Joana comprou, para si, para o seu marido e para a sua filha, umas “férias de sonho” na República Dominicana com “uma praia de água límpida e transparente”. Aí chegados, constataram, na manhã seguinte, que a água era escura e continha alforrecas, tendo logo nesse mesmo dia, na primeira ida à praia, sido picadas pelas alforrecas algumas pessoas do grupo turístico de que fazia parte a Joana, tendo uma de receber tratamento médico.
A viagem turística tinha sido organizada por uma agência de viagens e, naturalmente, o grupo reclamou, já que, no fundo, o pacote da viagem consistia quase exclusivamente na praia, tendo pouca relevância o hotel e sendo muito elevadas as expectativas criadas quanto ao gozo da praia, tendo em conta as fotografias paradisíacas que ilustravam o folheto promocional apresentado pela operadora em Lisboa. Os representantes da operadora propuseram então que passassem a frequentar uma praia, garantidamente limpa, com um senão: tinham de ir e vir, todos juntos e todos os dias, num autocarro, num curto percurso de 25 minutos. Ou, em alternativa, podiam mudar para um outro hotel que permitiria um fácil acesso à praia limpa, mas quem aceitasse esta alternativa teria de assinar uma declaração a ilibar o hotel de qualquer responsabilidade pelo ocorrido e de prescindir de todos os direitos de reclamação inerentes ao serviço prestado. A Joana e a sua família recusaram-se a assinar tão simpático papel, andaram de autocarro todos os dias e, chegados a Portugal, depois de deixarem as malas em casa, dirigiram-se para o tribunal mais próximo.
Aí, contaram a sua história e pediram que a agência de viagens fosse condenada a devolver-lhes os cerca de 3000 euros que lhes custara a viagem mais cerca de 1000 euros pelos danos morais, ou, em termos mais usuais, pela seca que tinham sido as férias na praia. A louvável decisão final foi proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 2011, que teve em conta que se estava perante uma viagem organizada, pelo que, nos termos da lei, a agência tinha a obrigação de ter avisado a Joana e a família que, como bem sabia, existiam invasões de alforrecas na praia e de ter providenciado uma alternativa, tal como a mudança para um hotel junto de uma praia limpa, mas sem exigir que assinassem qualquer declaração a ilibar fosse quem fosse. E, por isso mesmo, os juízes desembargadores Artur Dias, Jaime Ferreira e Jorge Arcanjo condenaram a agência de viagens a devolver à Joana e à família o que tinham pago acrescido dos danos morais. No Verão seguinte, provavelmente, foram para a montanha... Em matéria de direitos dos consumidores, a Relação de Évora, em finais do ano passado, também soube aplicar a lei e fazer justiça: desta vez, a feliz contemplada foi a empresa Toca a Vigiar, Lda. que tinha contratado a colocação de ecrãs de bordo em 21 viaturas suas que permitiam a localização e o acompanhamento da actividade dessas viaturas por meio de GPS, com ligação à Internet através de cartões que a operadora lhe tinha atribuído contra o pagamento de uma prestação mensal de cerca de 17 euros por viatura. O contrato obrigava a uma fidelização de 60 meses mas passados nove meses, por vicissitudes internas, a empresa tinha prescindido dos serviços da operadora. E a operadora recorreu ao tribunal pedindo que a empresa, como previa o contrato, fosse condenada a pagar-lhe mais de 18 mil euros, correspondentes aos mais de quatro anos de prestações que faltavam para cumprir o período de fidelização.
Mas não teve sorte: para os juízes desembargadores Mário Branco Coelho, Isabel de Matos Peixoto Imaginário e Maria Domingas Simões o contrato enquadrava-se na lei das comunicações electrónicas e na lei das cláusulas contratuais gerais que não permitem penalizações excessivas, abusivas ou desproporcionadas, nomeadamente pela cessação antecipada dos contratos. Ora, a cláusula que previa a obrigação de pagar a totalidade das prestações dos cinco anos do contrato, sem a operadora ter de efectuar a contrapartida desse preço nem incorrer em quaisquer custos, excedia, objectivamente, os prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato, pelo que era proibida e nula. E, assim, absolveram a Toca a Vigiar, Lda.