Defesa tenta invalidar provas obtidas por infiltrado no caso das messes
Advogado de fornecedor suspeito de pagar luvas argumenta que nalgumas situações infiltrado agiu como agente provocador do crime.
A defesa de uma das firmas julgadas no processo de corrupção nas messes da Força Aérea argumenta que parte das provas obtidas através de um militar que agia como agente infiltrado, e que terá entregado dinheiro aos arguidos no dia anterior às detenções, são nulas.
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A defesa de uma das firmas julgadas no processo de corrupção nas messes da Força Aérea argumenta que parte das provas obtidas através de um militar que agia como agente infiltrado, e que terá entregado dinheiro aos arguidos no dia anterior às detenções, são nulas.
Ao longo de mais de um ano o tenente em causa fingiu também participar no esquema de sobrefacturação das messes, quando, na realidade, estava a ajudar as autoridades que investigavam o caso: recebeu e distribuiu dinheiro proveniente de pagamentos ilícitos aos militares por parte dos fornecedores das messes. Mas antes fotografou-o, tendo ainda gravado várias conversas relativas ao esquema.
Uma das empresas suspeitas de pagar aos responsáveis pelas cantinas da Força Aérea para que fingissem que recebiam quantidades de géneros alimentares superiores às efectivamente entregues apresentou um requerimento a pedir ao Tribunal de Sintra, no qual decorre o julgamento da Operação Zeus, com 68 arguidos - 30 militares e 38 civis - que faculte a consulta integral do relatório da acção encoberta.
O advogado Alexandre Vieira diz que "existem insanáveis e perigosas contradições" entre os depoimentos prestados em tribunal pelo major Rogério Martinho e o sargento-ajudante António Paulo (arguidos e à data dos factos gerentes da messe da Base Aérea de Monte Real, em Leiria) e os factos descritos no procedimento da acção encoberta, iniciada a 24 de Novembro de 2015.
"Todos os factos que foram carreados pelo agente encoberto até essa data não deveriam constar como prova que foi colhida, antes prova de que teve conhecimento, porque [o militar em causa] já era chefe da messe" de Monte Real, frisa o requerimento.
O documento acrescenta que também se constatou pelo depoimento do sargento-ajudante António Paulo que, "ao contrário do que é referido" no relatório, "foi o agente encoberto e não os arguidos quem lhes explicou o esquema, pois este já o conhecia", e foi, refere ainda o requerimento, "o agente encoberto quem lhes disse que o esquema era para manter".
"Perigosamente, constatou-se também, que o relatório (...) está datado de 13 de Outubro de 2016, e que existiram, posteriormente, entregas de dinheiro aos arguidos, efectuadas pelo agente encoberto, presume-se já fora do âmbito da operação encoberta, no dia 2 de Novembro do mesmo ano, ou seja, no dia anterior ao das buscas e detenção de alguns arguidos", salienta o advogado Alexandre Vieira. O requerimento diz ainda que "essas entregas de dinheiro ocorreram para que os arguidos fossem detidos em flagrante delito, pelo menos, com aquelas quantias".
"Estes factos, a comprovarem-se, são de enorme gravidade, não apenas do ponto de vista formal, mas sem dúvida alguma, substancial. Acresce que as provas assim obtidas são ainda reconduzíveis aos 'métodos proibidos de prova - utilização de meios enganosos', sendo, por isso, nulas, não podendo ser utilizadas, a não ser para o seguinte e exclusivo fim: proceder criminalmente contra quem as produziu (o agente provocador)", defende o advogado.
O requerimento adverte que, "aparentemente, de toda a prova produzida e carreada no processo encoberto, apenas consta um relatório e não o procedimento de acção encoberta".
"Poder-se-ia dizer que seria para protecção do agente encoberto (...). Mas o certo é que, da referida certidão, consta que todos os actos praticados pelo agente estão de acordo com o plano elaborado e devidamente validados pela autoridade judiciária competente, que se presume ter sido o Ministério Público", pode ler-se ainda no documento apresentado pela defesa desta empresa arguida.
Pela sobrefacturação na aquisição de bens alimentares e matérias-primas para a confecção de refeições nas messes da Força Aérea e do Hospital das Forças Armadas, os militares recebiam dinheiro dos fornecedores, em função da patente de cada um: os mais graduados era quem mais ganhava.