Portugal vai negociar com Bruxelas mecanismo temporário para recolocar refugiados
Sem acordo à vista quanto à criação de um sistema permanente de recolocação, a Bruxelas quer um acordo temporário, de base voluntária, que assegure maior solidariedade na gestão de pedidos de asilo e evite “tensões desnecessárias” entre Estados-membros.
Portugal está entre os países europeus que apoiam a criação de um mecanismo temporário para a gestão do acolhimento de refugiados e migrantes, que está a ser negociado pela Comissão Europeia, após se ter revelado inviável garantir, a curto prazo, um sistema permanente de recolocação de requerentes de asilo que envolvesse os 28 Estados-membros.
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Portugal está entre os países europeus que apoiam a criação de um mecanismo temporário para a gestão do acolhimento de refugiados e migrantes, que está a ser negociado pela Comissão Europeia, após se ter revelado inviável garantir, a curto prazo, um sistema permanente de recolocação de requerentes de asilo que envolvesse os 28 Estados-membros.
“Na impossibilidade de se avançar imediatamente para soluções definitivas, Portugal apoiará a criação de mecanismos temporários que substituam as soluções ad hoc e garantam alguma previsibilidade nos processos”, assegurou o Ministério da Administração Interna, em declarações ao Público.
A Comissão Europeia já iniciou conversações com os Estados-membros para estabelecer acordos temporários que possam “servir de ponte até o novo regulamento de Dublin ser aplicável”, adiantou um porta-voz da Comissão. Estes acordos, que seriam aplicáveis apenas “durante um período de tempo limitado, permitiriam gerir um sistema mais justo em termos de solidariedade e responsabilidade”, justifica a Comissão. E, ao assegurarem “maior previsibilidade”, contribuiriam para “evitar a criação de tensões desnecessárias entre Estados-membros”. “Contamos com a presidência romena para fazer avançar as negociações”, refere a mesma fonte.
O mecanismo, de base voluntária, deverá avançar desde que seja reunido o apoio de um número crítico de países. Segundo o jornal britânico Guardian, outros nove países deram já o seu apoio a esta solução, entre os quais França, Holanda, Alemanha e Espanha.
Para Portugal, a prioridade é que este mecanismo se traduza “em procedimentos simples e ágeis, que garantam regras equilibradas e uma chave de distribuição dos requerentes que seja previsível e estável”.
O país tem-se disponibilizado, “por razões humanitárias e face à situação de emergência em que encontram estas pessoas”, para participar em soluções ad hoc, acolhendo migrantes na sequência dos resgates realizados no Mediterrâneo por navios humanitários que viram a sua entrada recusada em portos europeus. Neste âmbito, chegaram a Portugal 86 pessoas durante o ano de 2018.
Ainda assim, o governo continua a defender que haja “mecanismos de solidariedade e de responsabilidades partilhadas, com carácter permanente, no contexto da União Europeia”.
O regulamento de Dublin, um dos pilares da política de asilo da União Europeia, permite aferir qual o país que fica responsável pela avaliação de um pedido de protecção internacional. A versão actualmente em vigor atribui esta responsabilidade ao país de entrada, mas a proposta de revisão, avançada pela Comissão em 2016, prevê um mecanismo permanente e automático de recolocação de refugiados no território da União Europeia, que facilite a partilha de responsabilidades entre Estados-membros e evite sobrecarregar países da linha da frente como a Grécia ou a Itália.
A reforma do Sistema Europeu Comum de Asilo é também uma das prioridades definidas no programa da presidência romena do Conselho da União Europeia, que se iniciou em Janeiro, mas o entendimento entre Estados-membros nesta matéria tem-se revelado impossível.
Este bloqueio impede o avanço de negociações com o Parlamento Europeu (PE), que assumiu a sua posição ainda em 2017 em relação ao pacote legislativo que contempla, para além da revisão do regulamento de Dublin, mais seis diplomas.
“Acho muito pouco provável que qualquer um destes instrumentos venha a ser concluído antes das eleições europeias”, observa o eurodeputado Carlos Coelho. Até porque alguns Estados-membros têm defendido uma abordagem concertada: “Ou há acordo em tudo ou não há acordo em nada”. Ora, “como os pacotes legislativos são particularmente complexos, obrigar à abordagem de pacote é negar qualquer hipótese de chegarmos a entendimento”, analisa o membro do Grupo do Partido Popular Europeu, eleito pelo PSD.
Por outro lado, “há países que, objectivamente, não querem mexer nisto”, explica. E “para esses, a solução actual de Dublin, mesmo perversa, é positiva, porque a maior parte das pessoas vão para os países da linha da frente”, observa.
Países como a República Checa, a Hungria e a Polónia já se tinham recusado, em 2015, a cumprir as suas obrigações ao abrigo de uma solução de emergência de recolocação definido pela União Europeia para dar resposta à crise de refugiados. O caso foi, entretanto, enviado para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Quanto ao programa, concluído em 2017, permitiu a redistribuição pelo território da UE de mais de 30 mil pessoas, um valor bastante inferior às quase 100 mil inicialmente previstas.
O estabelecimento de quotas obrigatórias para a recolocação de refugiados é o elemento mais controverso da revisão do regulamento de Dublin, mas também há falta de acordo entre os Estados-membros receptivos a uma responsabilização colectiva da Europa, quanto aos critérios que devem sustentar esta redistribuição.
Essa “chave de repartição” poderá contemplar critérios como o território, a população, o PIB, o histórico de pedidos recebidos por cada país, assim como as preferências dos refugiados. “As pessoas podem ter facilidade em dominar uma língua ou querer ir para um país onde têm já comunidades do seu país ou até familiares”, exemplifica Carlos Coelho. “Pode haver outros critérios, que nunca podendo ser determinantes, podem ser complementares e ajudam a encaminhar as pessoas para onde elas têm mais capacidade de integração”, diz ainda.
A posição aprovada pelo PE dá prioridade à existência de uma ligação pré-existente entre os candidatos a asilo e potenciais países de acolhimento, valorizando, por exemplo, a reunificação familiar. Caso esta não exista, o nível de responsabilidade de cada país é aferido em função do PIB e da população residente. Os países que se recusassem a receber requerentes de asilo poderiam enfrentar cortes no acesso a fundos comunitários.
Reforma pode só chegar em 2020
Com as próximas eleições europeias agendadas para 26 de Maio, e a posterior entrada em funções de um novo parlamento, significa que uma decisão sobre o novo pacote legislativo poderia ser atirada para 2020. “O PE batalhou desde o início por uma resposta solidária ao nível da União Europeia”, admite o eurodeputado, mas “estamos bloqueados”, porque, acrescenta, “o PE sozinho não legisla”.
Já quanto à possibilidade de se avançarem acordos temporários, Carlos Coelho entende que “isso não é solução”. “Soluções temporárias é o que temos tido sempre”, justifica. “Precisamos de um sistema de recolocação estável”.
“É difícil estarmos todos de acordo sobre um tema que não envolve todos. Para alguns, é um tema importante; para outros, é um não tema”, observa, por seu lado, Pedro Góis, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, que tem realizado investigação nesta área. “O que é possível é irmos somando as vontades dos países que, em alguns temas, estão mais próximos”, acredita. A inviabilidade de um acordo a 28 exige, por isso, na sua opinião, uma atitude pragmática: “Não vale a pena prosseguirmos esse caminho, de lutar por algo que se afigura impossível, mais vale sermos mais práticos, até porque envolve a vida das pessoas. Há que encontrar soluções para os casos do presente”, defende.
“Qualquer cooperação, mesmo que não seja uma cooperação total, seria vantajosa”, defende também João Peixoto, investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, até porque, recorda, “sempre existiram europas a várias velocidades”. “O que é preocupante é termos 28 países, cada um a puxar para seu lado”, argumenta.
O calendário também não ajuda: “Todos nós percebemos que vai haver uma viragem um pouco mais extremista na Europa com as próximas eleições europeias”, antecipa Pedro Góis. Por isso, “estamos a correr um pouco contra o tempo”.