Lágrimas, suspiros e gargalhadas: vida e morte atrás de uma máscara

Depois de Dr. Nest, a companhia alemã Familie Flöz está de regresso a Almada para apresentar Infinita, peça em que a infância e a velhice são extremos que se tocam.

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SIMONA FOSSI

Infinita começa pelo fim. Corpos de andar pesado, que se mexem pachorrentamente na sombra, num ambiente fúnebre. É a morte próxima que lhes pesa nos passos, mas também a debilidade física da idade avançada, como se cada ano a mais fosse pago em chumbo nas pernas. Depois a noite apaga-se, acende-se o dia e há um pequeno ser no chão, a aprender a erguer o tronco e a equilibrar-se ainda com os braços cheios de incerteza. Numa curta sequência inicial, a companhia alemã Familie Flöz, criadora de espectáculos visuais em que os intérpretes se escondem sempre por detrás de uma máscara, junta as pontas: a velhice e a infância, a equivalerem-se na incapacidade física de os membros responderem ao que a cabeça ordena, na dependência de terceiros, no mundo como um lugar de possibilidades limitadas.

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Infinita começa pelo fim. Corpos de andar pesado, que se mexem pachorrentamente na sombra, num ambiente fúnebre. É a morte próxima que lhes pesa nos passos, mas também a debilidade física da idade avançada, como se cada ano a mais fosse pago em chumbo nas pernas. Depois a noite apaga-se, acende-se o dia e há um pequeno ser no chão, a aprender a erguer o tronco e a equilibrar-se ainda com os braços cheios de incerteza. Numa curta sequência inicial, a companhia alemã Familie Flöz, criadora de espectáculos visuais em que os intérpretes se escondem sempre por detrás de uma máscara, junta as pontas: a velhice e a infância, a equivalerem-se na incapacidade física de os membros responderem ao que a cabeça ordena, na dependência de terceiros, no mundo como um lugar de possibilidades limitadas.

É esse ciclo de vida que a Familie Flöz traz esta sexta-feira ao Teatro Municipal Joaquim Benite, depois de em Julho ter conquistado o Festival de Almada com Dr. Nest, que o público escolheu como “espectáculo de honra” da edição de 2018 – o que significa que a companhia voltará este ano com a mesma peça, para abrir o certame. Antes disso, Infinita alimenta esta nova história de amor com as salas portuguesas, iniciada em 2017, com a apresentação de Teatro Delusio, no âmbito do Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas. A ideia de colocar lado a lado o contraste entre os primeiros e os últimos anos de vida, e também aquilo que, na verdade, tanto os aproxima, chegou precisamente quando, em 2006, alguns dos elementos da companhia se tornaram pais, ao mesmo tempo que assistiam ao envelhecimento e à morte dos seus progenitores.

Infinita, revela ainda Hajo Schüler ao PÚBLICO, surgiu também da constatação de que nas peças anteriores tinham sempre “contado histórias de pessoas de meia-idade”. “Abordávamos questões laborais, a paternidade, o envolvimento nas lutas típicas dessa fase da vida. E então pareceu-nos que seria interessante contarmos algo sobre aqueles que acabam de chegar à vida ou se encontram perto da morte.” O que faz com que em Infinita não haja “muita história: tudo acontece em poucos momentos, e não existe propriamente uma narrativa”. Há cenas dentro de um parque para bebés, num lar de idosos ou num banco de jardim, outras que provam o desafio que pode representar subir a uma cadeira. Sempre com recurso ao humor.

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EVY SCHUBERT

Um humor, ressalva Hajo Schüler, esboçado com cuidado, para não se tornar gratuito ou desrespeitoso. “Quisemos evitar, a todo o custo, gozar com eles”, confessa. Eles, as personagens que, mais tarde ou mais cedo, fomos ou seremos todos nós. “Em todas as nossas peças procuramos um lado humano que nasce de um conflito e passa sempre por momentos trágicos. Mas não queremos que o lado cómico resulte superficial – queremos encontrar situações que possam realmente expressar as lutas das personagens.” A partir daí, acredita este fundador da companhia, é ao público que cabe decidir como reage. “Tentamos libertar-nos e atingir um ponto de alívio, que tanto pode ser uma gargalhada como um suspiro ou uma lágrima.” Até porque, muitas vezes, os próprios elementos da Familie Flöz não sabem precisar qual o tom emocional de uma cena.

E se isso acontece é porque o recurso à máscara permite que cada espectador se projecte nestas situações, delegando nas personagens o espelho da sua própria vida. Ou, pelo menos, de outras “pessoas vulgares, que toda a gente conhece”. “Não estamos a contar nada que se passe com reis, príncipes ou senhores do Mal. Acho que é por isso que as pessoas vêem nas nossas peças as suas lutas, os seus conflitos, os seus desejos e os seus sonhos. É o público que, ao olhar para as máscaras de uma certa forma, lhes dá vida. Sem o público, elas estão mortas, são apenas pedaços de papier-mâché.”

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SIMONA FOSSI

Essencial para a criação da Familie Flöz, admite Hajo Schüler, continua a ser a referência de Pina Bausch (1940-2009). Os quatro membros fundadores frequentavam a escola da coreógrafa alemã quando decidiram criar a sua própria estrutura. E quiseram seguir-lhe o exemplo de contar as suas próprias histórias, desmontando o tabu de que no palco só cabe a mais elevada literatura. “Dizer coisas simples, de uma forma vital e libertadora”: foi isso, diz Schüller, que aprenderam com Pina Bausch. E é como se propusesse com esta fórmula uma entrada de dicionário, uma pequena definição lapidar, para a vida e a obra da sua Familie Flöz.