Como morrem os Venturas?
Urge compreender se, em tempos de indignação global, este exercício de imitação é mero ímpeto pessoal ou, por outro lado, encontrará aderência, patrocínio e financiamento em interesses de maior monta.
O processo de gestão do grotesco político encerra em si mesmo um complexo paradoxo. Se, por um lado, a desvalorização do burlesco populista abre as portas à sua normalização, por outro, a opção de sobre ele nos debruçarmos acarreta o indesejável risco da sua inadvertida publicitação.
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O processo de gestão do grotesco político encerra em si mesmo um complexo paradoxo. Se, por um lado, a desvalorização do burlesco populista abre as portas à sua normalização, por outro, a opção de sobre ele nos debruçarmos acarreta o indesejável risco da sua inadvertida publicitação.
É de crer que o impasse possa ser quebrado por uma terceira via, por imperativo de consciência democrática, nomear com clareza e envergonhar sem tibiezas.
O enredo populista, em exibição um pouco por todo o mundo dito ocidental, é composto por três partes:
A mediatização da mediocridade. Em que o desafiante se dá a conhecer às massas.
A proclamação da negra virtude. Em que o ilusionista – despido das suas convicções, renegando o sistema onde nasceu, cresceu e tudo aprendeu – ergue as suas bandeiras choque, apropriando-se, das indignações mais frequentes do seu auditório.
E, por último, a prestigiação do grotesco. Em que o farsante promete, ribombante e com artificial simplicidade, implodir com o “estado a que isto chegou”, sob promessa de viagem gratuita para “coisa muito melhor e maior”.
É neste quadro que nos chega André Ventura. Homem afável no trato, instruído e de boa imagem. Atributos a que soma um raro talento de clamar ao povo, exatamente, aquilo que este deseja escutar. Um processo de radicalização e embrutecimento está em curso.
Desta perspetiva, não é de estranhar que nos traga o regresso da pena de morte e das execuções, de mão dada com o fim do estacionamento pago.
Não causa espanto que a proposta de proibição do casamento entre pessoas do mesmo género conviva com o inconstitucional desiderato da eliminação de 130 deputados.
Nem tão pouco que a discriminação étnica se assome, lado a lado, com insidiosa suspeita de que os mais desprotegidos desbaratam os seus apoios sociais em carros de alta cilindrada.
Todavia, desengane-se quem julga estar perante um guia estruturado de retrocesso ao obscurantismo. A supressão da Igualdade, Liberdade e Fraternidade, enquanto valores distintivos da nossa grande Nação, requer trabalho e consome tempo. Esse é um desígnio dos grandes ditadores. Os pequenos não procuram a glória, mas apenas a janela de oportunidade. A ideia, enquanto representação que se forma no espírito ou perceção intelectual, não vive na pátria do novo populismo.
Procura-se por um programa e, com sorte, talvez se encontre um papelinho, que mais não é do que a soma panfletária de desabafos vomitados no tampo de tantas mesas de café. Um cardápio desconchavado de embustes que se alimentam de meias verdades, ódios e preconceitos.
Urge compreender se, em tempos de indignação global, este exercício de imitação é mero ímpeto pessoal ou, por outro lado, encontrará aderência, patrocínio e financiamento em interesses de maior monta. Ainda não é tarde para afirmar que, por pouca que seja a sua expressão atual, cada voto por eles recolhido constitui estaca fria na nossa democracia.
Ignorado por uma certa elite intelectual, entretida nos labirintos do seu relevo social, continuará a fazer caminho. Em Itália, Espanha, no Brasil e em França, foram escritos milhares de artigos muito mais cintilantes e eloquentes do que o que ora leu. Ninguém os relevou ou partilhou e o populismo grassou.
Nesta angustiante narrativa aberta sobressai a questão: “Passarão ou não passarão?