Costa quer aprovar lei da saúde à esquerda, mas trabalhos ainda agora vão começar

As quatro propostas que alteram a Lei de Bases da Saúde não vão ser votadas. À esquerda acredita-se que é possível texto comum, mas ainda há espinhos no caminho difíceis de ultrapassar.

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Rui Gaudencio

À esquerda notou-se uma mudança "positiva", pelo menos, nas palavras, do caminho que estava a ser seguido pelo Governo no que à Lei de Bases da Saúde diz respeito. Agora, tanto PCP como BE esperam que o Executivo mostre mais um pouco de abertura para que seja possível um texto comum. Mas o que os divide é ainda muito e pode prolongar as negociações e dificultar uma aprovação até ao final da sessão legislativa. O PS diz que não quer "criar incentivos aos privados", mas PCP e BE não abdicam que a lei separe o público do privado de forma clara e não é isso, dizem, que consta da proposta que vai esta quarta-feira a debate.

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À esquerda notou-se uma mudança "positiva", pelo menos, nas palavras, do caminho que estava a ser seguido pelo Governo no que à Lei de Bases da Saúde diz respeito. Agora, tanto PCP como BE esperam que o Executivo mostre mais um pouco de abertura para que seja possível um texto comum. Mas o que os divide é ainda muito e pode prolongar as negociações e dificultar uma aprovação até ao final da sessão legislativa. O PS diz que não quer "criar incentivos aos privados", mas PCP e BE não abdicam que a lei separe o público do privado de forma clara e não é isso, dizem, que consta da proposta que vai esta quarta-feira a debate.

António Costa deu a entender que é com os parceiros do Governo e não com a direita que quer ver a lei aprovada e espera que isso aconteça até ao final da sessão legislativa - quatro a cinco meses para o debate. A ministra da Saúde, Marta Temido, aproxima-se mais das medidas da esquerda, mas só quando o debate chegar aos detalhes se perceberá se as palavras vão coincidir com o que ficará em letra de lei.

O ponto mais difícil de resolver prende-se com o modo como ficará na lei a relação do Serviço Nacional de Saúde com os privados e com o sector social (na aquisição de serviços) e o que fazer com as parcerias público-privadas (gestão dos hospitais). Falta também acordo sobre o fim das taxas moderadores e sobre as carreiras dos profissionais de saúde.

Um socialista diz ao PÚBLICO que o partido não "está disponível a continuar a criar incentivos para os privados" e que a intenção é "reforçar o SNS". PCP e BE pedem que isso seja claro e que não se criem "frinchas" por onde se possam criar mais PPP.

"O discurso da ministra é mais claro do que a proposta, nomeadamente, no que diz respeito às parcerias público-privadas. A gestão pública tem de ser absoluta e não relativa. Tem de ficar claro que não pode haver nenhuma frincha para haver PPP", afirma ao PÚBLICO Moisés Ferreira, do BE.

Jamila Madeira, a vice-presidente do grupo parlamentar do PS para a área da Saúde diz que haverá uma "disponibilidade ao diálogo" com os "reais defensores do SNS". António Sales, coordenador dos deputados socialistas na área, escreveu no PÚBLICO um artigo em que critica as propostas de PSD e do CDS, questionando as reais intenções das propostas.

A evolução no discurso dos socialistas, aproximando-se mais da esquerda nem que seja de forma estratégica, é notada pelo secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que esteve reunido esta terça-feira com profissionais do sector. Notou que esta evolução é "positiva", mas "ainda claramente insuficiente", nomeadamente porque, disse, "na possibilidade que abre à gestão das unidades de saúde do SNS por parte dos privados, confirma não estar ainda garantida, neste momento, as condições necessárias para uma revisão progressista da lei".

Além da proposta do Governo, a Assembleia da República irá debater mais três projectos, um do PCP e mais dois do PSD e do CDS. O projecto do BE já foi debatido e desceu à comissão de Saúde sem ser votado. O mesmo caminho deverão seguir estes quatro projectos, como apurou o PÚBLICO. A descida à especialidade sem votação permite todos os partidos estarem dentro do jogo na formulação de um texto comum e também permite a António Costa uma gestão do tempo, que em ano eleitoral é crucial.

Até porque Marcelo Rebelo de Sousa poderá ser um entrave. Em Dezembro, quando o Governo aprovou a proposta de Lei de Bases da Saúde, o Presidente da República pediu "o maior acordo possível" possível na sua aprovação no Parlamento, deixando perceber que esse é um dos elementos que pesará na sua decisão, quando tiver que a promulgar. "Penso que uma lei dessas tem que ser transversal, ter o máximo acordo possível para não mudar de governo para governo. A última vigora há 28 anos e, portanto, isto significa que não é para ser votado por uma maioria durante quatro anos e depois mudada daí a quatro anos, e daí a quatro anos", afirmou. Destas palavras pode entender-se que uma lei aprovada apenas pela esquerda pode levantar objecções ao chefe de Estado. Aliás, nessa mesma altura, o Presidente disse ao Expresso que se "revia" na primeira proposta de Maria de Belém Roseira sobre a revisão da lei de bases que o Governo deixou cair.

Em Setembro, o Presidente da República tinha recebido em Belém a Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde, presidida por Maria de Belém Roseira, e no final publicou uma nota no site saudando os membros da Comissão “pela relevância do serviço público que prestaram, pela importância da proposta como um contributo fundamental para o debate político e social que promova um Serviço Nacional de Saúde centrado na pessoa, com mais qualidade e equidade".

PSD e CDS em jogo

O PSD espera, porém, que seja possível haver um entendimento de base nesta área tal como pede Marcelo Rebelo de Sousa e, nesse sentido, defende que as propostas devem baixar à comissão sem votação. “É fundamental que haja abertura para que o trabalho de consensualização se faça na comissão. O PS descartou entendimento com o PSD, isso não é bom sinal e vai contra o apelo do Presidente da República para se fazerem reformas para as próximas gerações”, disse ao PÚBLICO Ricardo Baptista Leite, deputado e porta-voz do conselho estratégico nacional do PSD para a área da saúde.

O social-democrata considera que a proposta de lei do Governo se “aproxima um pouco” das posições dos “partidos de extrema-esquerda” e que acaba por ser “minimalista”. Na proposta do PSD, há uma relação entre o público, privado e social, apesar do papel primordial do Estado. Um princípio que contrasta com a posição do BE e PCP, o que leva Ricardo Baptista Leite a assumir que as propostas dos dois partidos são “divergentes” das restantes e que isso torna muito difícil um entendimento. O deputado deixa um apelo aos socialistas sobre o trabalho da comissão: “Espero que o Governo possa colocar bom senso na proposta”.

Pelo CDS-PP, Ana Rita Bessa assinala que, do ponto de vista dos princípios, há um “denominador comum” sobre todas as propostas, que é a da “procura de um Serviço Nacional de Saúde sustentável”. Mas, depois, a deputada considera que as divergências entre esquerda e direita “são muito grandes” e porventura inconciliáveis. Por um lado, há a visão de PSD, CDS e de “um PS que se revê na proposta de Maria de Belém”, por outro, há “outra parte que se revê na proposta do Governo, PCP e BE”, observa a centrista. Criticando o debate “ideológico” em curso por poder “contaminar” negativamente a discussão, Ana Rita Bessa considera que o resultado final, “se houver lei nesta legislatura”, será “consoante o peso dos que se revêem na proposta mais próxima da apresentada pelo centro-direita e da lei de 1990”. Com Leonete Botelho