Senado vai discutir fim do shutdown pela primeira vez em 33 dias

É quase certo que as duas propostas em cima da mesa vão ser chumbadas, mas há políticos cada vez mais pressionados pelos seus eleitores a apresentarem uma solução.

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A votação está marcada para quinta-feira Reuters/JIM YOUNG

Ao fim de um mês, o Senado norte-americano vai finalmente discutir e votar duas propostas para reabrir várias agências e departamentos públicos e permitir que 800 mil funcionários voltem a receber os seus salários. Essa é a boa notícia, mas neste caso há também uma péssima notícia: basta olhar para a divisão de forças no Senado para se perceber que nenhuma das propostas vai ser aprovada.

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Ao fim de um mês, o Senado norte-americano vai finalmente discutir e votar duas propostas para reabrir várias agências e departamentos públicos e permitir que 800 mil funcionários voltem a receber os seus salários. Essa é a boa notícia, mas neste caso há também uma péssima notícia: basta olhar para a divisão de forças no Senado para se perceber que nenhuma das propostas vai ser aprovada.

Em cima da mesa, na quinta-feira, vai estar uma proposta do Partido Republicano que reflecte as ideias apresentadas na semana passada pelo Presidente Donald Trump: aprovar um orçamento com 5,7 mil milhões de dólares para o início da construção de um muro na fronteira com o México, em troca de três anos de protecção para um milhão de imigrantes – 700 mil que chegaram ao país quando eram crianças (conhecidos como "dreamers") e 325 mil que têm uma protecção temporária especial, a maioria da América Latina.

Para o Partido Democrata, a principal contrapartida do Presidente Trump é inaceitável porque os "dreamers" estavam protegidos da deportação mediante uma directiva aprovada pelo Presidente Barack Obama, que tinha de ser renovada de dois em dois anos.

Em 2017, o Presidente Trump pôs fim a essa protecção temporária e o caso seguiu para os tribunais – na quarta-feira, o Supremo Tribunal decidiu não se pronunciar, pelo que a protecção de Obama mantém-se em vigor até uma decisão final. 

Do outro lado, o Partido Democrata vai propor algo muito semelhante ao que tem sido recusado pelo Presidente Trump e pela liderança do Partido Republicano desde que o shutdown começou, no dia 22 de Dezembro: aprovar um orçamento provisório, até 8 de Fevereiro, para que as agências possam ser reabertas, em troca do compromisso de negociar uma solução mais duradoura nas próximas duas semanas.

Apesar de esta votação significar que as duas partes começaram a avançar, já que é preciso um acordo bipartidário para discutir e votar propostas deste tipo, a verdade é que o resultado final não vai mudar nada. Para que uma das propostas fosse aprovada, teria de receber os votos de uma maioria de 3/5, ou 60 senadores – numa altura em que o Partido Republicano tem 53 senadores e o Partido Democrata tem 47.

A única incerteza é se alguns senadores republicanos vão apoiar a proposta do Partido Democrata, principalmente os que foram eleitos em estados mais moderados politicamente e onde os efeitos do shutdown se notam mais. Segundo as sondagens, a maioria dos inquiridos culpa o Presidente Trump pelo encerramento das agências e departamentos públicos, numa altura em que milhares de trabalhadores começam a sentir grandes dificuldades para comer e pagar as contas.

Mas ainda que alguns republicanos votem a favor da proposta do Partido Democrata, é altamente improvável que 13 deles estejam dispostos a enfrentar a sua liderança e, acima de tudo, o Presidente Trump, que veria essa debandada como uma traição.

Para piorar as hipóteses de sucesso das propostas que vão ser votadas na quinta-feira, nenhuma delas acabaria com o shutdown mesmo que fosse aprovada no Senado – depois disso, seria preciso que a Câmara dos Representantes aprovasse uma proposta semelhante, e que o Presidente Trump a promulgasse.

Por isso, as declarações de confiança feitas pelos dois lados depois de a votação ter sido anunciada são apenas uma forma de pressão, atirando a responsabilidade para o outro lado.

"As pessoas perguntam se não há uma forma de sair disto. Se não há uma forma de aliviar o fardo dos 800 mil trabalhadores federais que não estão a ser pagos. Se não há uma forma de reabrir as agências federais e depois discutir o que devemos fazer sobre a segurança na fronteira. Bem, agora já há uma forma de fazer isso", disse o líder da minoria do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer.

"A oportunidade para pôr um fim a tudo isto está mesmo à nossa frente", disse o líder da maioria do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, que descreveu a sua proposta como "abrangente e bipartidária".

Mais um cheque em falta

Com o chumbo garantido das duas propostas na quinta-feira, os trabalhadores norte-americanos afectados pelo shutdown vão ficar pela segunda vez sem o seu salário, que deveria ser pago na sexta-feira.

Para além dos cerca de 400 mil funcionários públicos que foram enviados para casa sem salário e de outros 400 mil que estão a trabalhar sem receber, muitos outros milhares de trabalhadores do sector privado ficaram sem fonte de rendimentos porque as suas empresas têm contratos com as agências encerradas.

Esta quarta-feira marca o 33.º dia do encerramento parcial de 25% das agências e departamentos públicos norte-americanos – os restantes 75% funcionam sem problemas porque viram os seus orçamentos aprovados em 2018.

Este shutdown começou porque o Congresso e a Casa Branca não chegaram a acordo para aprovarem o orçamento desses 25 por cento de agências, incluindo o Departamento de Segurança Interna, responsável pela segurança nas fronteiras.

Em causa estão as divisões sobre a promessa de Trump de construir um muro na fronteira com o México para reforçar o combate à imigração ilegal. O Presidente exige que o Partido Democrata desbloqueie 5,7 mil milhões de dólares para o início dessa construção, mas o Partido Democrata diz que o muro é "imoral" e pouco eficaz no combate à imigração ilegal – em alternativa, os democratas propõem um aumento do financiamento para a compra de novas tecnologias e outras soluções.

Vedações ou muro?

A fronteira entre os Estados Unidos e o México estende-se por mais de três mil quilómetros e já tem mil quilómetros de vedações, construídas na última década – metade para travar veículos e a outra metade para travar pessoas. Em grande parte da restante linha de fronteira há barreiras naturais que dificultam a passagem, como montanhas, desertos e rios.

A construção dessas vedações foi aprovada pelo Congresso norte-americano em 2006, incluindo com os votos dos então senadores Barack Obama, Hillary Clinton, Joe Biden ou Chuck Schumer, todos do Partido Democrata.

Nessa época, os números da imigração ilegal eram muito superiores ao que acontece actualmente, e a maioria do Partido Republicano na Câmara dos Representantes exigia que todos os imigrantes sem documentos fossem considerados criminosos.

Mas em 2015 e 2016, o então candidato Donald Trump prometeu algo diferente: a construção de um muro contínuo ao longo de toda a fronteira com o México, mais alto do que as vedações que existem no terreno. Não há uma proposta fechada para o tipo de muro que o Presidente Trump quer, mas o Partido Democrata considera que a construção é dispendiosa de mais e não seria eficaz – por um lado, as vedações existentes já funcionam como uma barreira, e por outro lado, as detenções na fronteira caíram de mais de 1,6 milhões no ano 2000 para menos de 400 mil em 2018. Nos últimos anos aumentou o número de famílias e crianças desacompanhadas, mas ainda assim o total é inferior ao que acontecia há quase décadas.