Acção do Ministério Público pára obra na Arrábida
Ministério Público considera que o Município deveria ter consultado a APDL, mas sobretudo a Agência Portuguesa do Ambiente, antes de licenciar esta obra. E propõe que seja a câmara a pagar as demolições.
A Câmara do Porto já assumiu ter sido notificada da acção do Ministério Público (MP) no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em que é pedida a nulidade dos sucessivos actos administrativos que, entre 2009 e 2017, permitiram a aprovação de dois prédios na marginal do Douro, junto à Ponte da Arrábida. Como o PÚBLICO tinha adiantado há uma semana, o MP considera que aquelas obras não poderiam ter avançado sem consulta às entidades responsáveis pelo domínio hídrico. O promotor garantia, esta quarta-feira, que ainda não recebera a notificação. “Quando acontecer, se acontecer, a empresa fará um comunicado sobre o assunto”, disse Paulo Barros Vale, que já não administra a Arcada mas ainda faz parte dos corpos sociais da empresa. O certo é que se a obra não parar, o MP pedirá à polícia para selar o local.
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A Câmara do Porto já assumiu ter sido notificada da acção do Ministério Público (MP) no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em que é pedida a nulidade dos sucessivos actos administrativos que, entre 2009 e 2017, permitiram a aprovação de dois prédios na marginal do Douro, junto à Ponte da Arrábida. Como o PÚBLICO tinha adiantado há uma semana, o MP considera que aquelas obras não poderiam ter avançado sem consulta às entidades responsáveis pelo domínio hídrico. O promotor garantia, esta quarta-feira, que ainda não recebera a notificação. “Quando acontecer, se acontecer, a empresa fará um comunicado sobre o assunto”, disse Paulo Barros Vale, que já não administra a Arcada mas ainda faz parte dos corpos sociais da empresa. O certo é que se a obra não parar, o MP pedirá à polícia para selar o local.
A autarquia remeteu para o promotor a responsabilidade pela paragem das obras, comprometendo-se, num comunicado emitido esta quarta-feira, a fiscalizar o cumprimento da ordem judicial. Mas ao fim da tarde, as gruas continuavam a mexer e os trabalhadores seguiam com a obra, fazendo crescer o prédio com já seis pisos. Para que não restassem dúvidas dos efeitos suspensivos da acção em causa, o próprio procurador pediu ao juiz que explicasse à Ré (a Câmara do Porto) e às contra-interessadas - a Arcada SA, enquanto promotora deste empreendimento, e a Caixa Geral de Depósitos, entidade bancária em favor da qual os terrenos em que se desenvolve o empreendimento estão hipotecados, por 15,5 milhões de euros - o que diz o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação sobre isso.
E o que diz o RJUE, no artigo 68, é claro: “São nulas as licenças, as autorizações de utilização e as decisões relativas a pedidos de informação prévia previstos no presente diploma” que “não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações”. E, lê-se no artigo seguinte, “a citação ao titular da licença ou da autorização de utilização” “tem os efeitos previstos no artigo 103.º para o embargo”. O promotor pode contestar a suspensão da obra - e o PÚBLICO sabe que a Arcada pondera fazê-lo - e, nesse caso, o juiz tem dez dias para decidir se deixa que ela prossiga ou não.
Esta acção do MP surge em sequência de uma queixa apresentada pela APDL já no ano passado, pelo facto de ter sido impedida de dar parecer sobre este processo urbanístico, mas da leitura da mesma percebe-se que o procurador entende que, para além da APDL, a autarquia deveria ter consultado a Agência Portuguesa do Ambiente, entidade que, segundo a Lei da Água, tem a tutela destes recursos, que incluem a margem de 50 metros integrada em domínio hídrico.
A mesma lei, no artigo 13, refere que essas competências, em áreas afectas a portos, como o Douro, consideram-se “delegadas” nas administrações portuárias, mas, nota o procurador, as portarias que regulariam os termos dessa delegação de competências não foram publicadas. Em todo o caso, o representante do MP assume que o legislador, através de um artigo do Decreto-Lei 226-A/2007, que define o Regime de Utilização dos recursos Hídricos, “pretendeu conferir à administração portuária com jurisdição no local, uma delegação tácita das competências da autoridade nacional da água, para licenciamento e fiscalização dos recursos hídricos”, o que o leva a considerar que a nulidade de todos os actos que levaram à aprovação destes prédios é invocável por falha na audição de não uma mas de duas entidades.
O procurador invoca ainda como vício deste projecto o facto de ele incluir pisos abaixo do solo, mas faltar no processo urbanístico “o parecer vinculativo previsto no artigo 40, n.º 7 da Lei 58/2007”, que a Câmara, insiste, “deveria ter solicitado à Agência Portuguesa do Ambiente. E cita: “até à aprovação da delimitação das zonas inundáveis ou ameaçadas pelas cheias, estão sujeitos a perecer vinculativo da autoridade nacional da água, o licenciamento de operações de urbanização ou edificação, quando se localizem dentro do limite da cheia , com período de retorno de cem anos, ou de uma faixa de 100 metros para cada lado da linha de água, quando se desconheça aquele limite.
Apesar de ser ré, na acção, a autarquia - que segundo o MP deve ser “condenada a demolir, a suas expensas, as obras efectuadas em violação da lei” - regozijou-se com a iniciativa do MP. Que, ao contrário do que refere num comunicado emitido esta quarta-feira não visa, “a ausência, em 2009, de pedido de parecer vinculativo à APDL”, mas a falha reiterada de consulta àquelas duas entidades, APA e APDL, em múltiplas decisões administrativas tomadas pelos responsáveis pelo pelouro do urbanismo desde aquele ano até ao final de 2017, já no actual mandato. Em causa estão aprovações de Pedidos de informação prévia, de projectos de arquitectura e licenciamentos - proferidos por vereadores de vários executivos.
A não consulta à APDL tem sido uma opção reiterada do município do Porto pelo menos desde a publicação da revisão do Plano Director Municipal em 2006, e tem sido alvo de grande contestação por parte da APDL, que já tentou, noutros processos urbanísticos, fazer fazer valer a sua tutela sobre o domínio hídrico. A câmara considera, por seu lado, que, no âmbito da revisão do PDM, lhe concedida pelo próprio presidente desta empresa pública em 1999, Ricardo Fonseca, a jurisdição do território para o interior do passeio junto ao rio, abrangendo, a título de exemplo neste caso, a estrada e as construções e terrenos adjacentes. E desenhou isso mesmo no PDM. Aliás, Moreira já alertou que se este entendimento do MP for validado pelo Tribunal, estão em causa não uma mas 21 construções na marginal.
A ideia de embargar e posteriormente demolir a obra é um pesadelo no qual o empresário Paulo Barros Vale prefere não acreditar. É que, “se isto andasse tudo para trás”, frisou, “estaríamos a falar de várias dezenas de milhões de euros” de prejuízo. Para o empresário, a Arcada comprou terrenos “registados” e não pode ser penalizada por eventuais problemas nas licenças. Contudo, a empresa pode vir ainda a enfrentar uma reclamação por parte da APDL, que tem documentação comprovando que um dos terrenos onde se implantou este prédio pertence ao domínio público do Estado, sob jurisdição da administração portuária, e nunca poderia ter sido registado por privados, como aconteceu.