Agnes filmou Histórias de Lobos portugueses para não as deixar desaparecer
Por saber que “os mitos morrem com as pessoas”, Agnes Meng quis ouvir histórias de lobisomens (ou de pessoas) numa aldeia do Gerês. Confrontos, encontros e assassinatos — coisas que aconteceram, ou não, contadas a uma chinesa por vozes portuguesas.
Quantas histórias fascinantes desaparecem com as pessoas, sem nunca terem sido ouvidas? Histórias sobre gentes, lugares e mitos — como lobisomens. A documentarista chinesa Agnes Meng quis descobri-las. Aventurou-se pelo Portugal escondido e encontrou, no cume de uma das montanhas do Norte, uma aldeia chamada Pitões das Júnias que reunia uma vasta colecção de contos. Ouviu-os e documentou-os. Daí nasceu Histórias de Lobos.
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Quantas histórias fascinantes desaparecem com as pessoas, sem nunca terem sido ouvidas? Histórias sobre gentes, lugares e mitos — como lobisomens. A documentarista chinesa Agnes Meng quis descobri-las. Aventurou-se pelo Portugal escondido e encontrou, no cume de uma das montanhas do Norte, uma aldeia chamada Pitões das Júnias que reunia uma vasta colecção de contos. Ouviu-os e documentou-os. Daí nasceu Histórias de Lobos.
A curta-metragem de cerca de 20 minutos retrata, mais do que histórias de lobos, as “histórias das pessoas”. “Para mim, o documentário é também sobre como lidamos com a natureza e retrata um estilo de vida muito distante do que vivemos agora, que está a desaparecer”, conta Agnes, em chamada telefónica com o P3. Testemunhos de mortes e assassinatos, lutas entre humanos e lobos, contados por seis vozes que querem ser ouvidas. Mas o que leva uma chinesa a querer documentar o folclore português?
“Eu queria mesmo fazer um filme em Portugal”, afirma a realizadora de 27 anos. Já cá tinha estado em 2015 para o primeiro semestre do DocNomads — um mestrado em documentário que junta universidades de Lisboa, Budapeste (Hungria) e Bruxelas (Bélgica) — e Portugal ficou-lhe na cabeça: “Achei muito exótico e diferente da China”, refere. Por isso, quando teve que escolher um dos três países para fazer o projecto final, não teve dúvidas. Voltou a Portugal em 2017 para as primeiras filmagens do documentário, que viria a ser concluído em Março de 2018, já fora do curso e com a produção da companhia Filmes do Gajo.
Atraída pelas “montanhas, floresta, campo e vida nas aldeias”, Agnes pediu ajuda a amigos para encontrar um tema para um filme que se relacionasse com estes ambientes. Nada sabia sobre lobisomens, até que José Fernandes, assistente de realização do filme, lhe deu a conhecer alguns mitos, através de notícias e do livro Malditos - Histórias de Homens e de Lobos, de Ricardo J. Rodrigues, que continha relatos na primeira pessoa, nomes e locais.
Foi no Gerês que procuraram (e encontraram) essas histórias. Lá, Agnes deparou-se com um cenário “selvagem” que a cativou. Concluiu que “os habitantes das aldeias do Norte são muito abertos e amigáveis”: bastou perguntar “esta pessoa ainda vive aqui?” a quem iam encontrando para descobrirem os protagonistas das histórias narradas no livro. A partir daqui, só teve — com a ajuda das traduções de José — que escutar tudo o que lhe contaram sobre as criaturas que, diziam-lhe, eram parecidas com cavalos, levavam crianças e mordiam o pescoço para chupar o sangue.
“A senhora mais velha, que aparece no início do filme, falou comigo durante uma hora ou uma hora e meia. Quando nos estávamos a despedir, ela agradeceu-me por tê-la ouvido. E isso tocou-me porque obviamente ela não falava disto há muito tempo e ninguém queria saber”, conta Agnes. Outra das participantes foi encontrada por acaso: “Estávamos a andar pela aldeia e eu vi uma senhora sentada. Ela estava tão linda que eu pedi ao meu amigo José para lhe perguntar se ela tinha alguma coisa a dizer sobre lobos. E ela simplesmente começou a falar.” Foi assim que Agnes escutou a história de alguém que, ao ser alegadamente perseguido por um lobisomem, pegou fogo a um pedaço de camisa que rasgou, assustando, assim, a criatura. É que os lobisomens intimidavam muitos, mas não eram invencíveis — há, no filme, quem conte como matou um à paulada.
Agnes tem uma certeza: “Quando as pessoas morrem, os mitos morrem com elas.” Por isso, usa os filmes como uma arma para aprender e fazer ouvir. “Quando peço às pessoas para me contarem histórias, sinto que se não lhes perguntar, elas nunca vão dizer nada. E eu não consigo imaginar quantas histórias estão a desaparecer com as pessoas”, continua.
Histórias de Lobos estreou-se no Festival Internacional de Filmes HotDocs, no Canadá, em Abril do ano passado; a primeira exibição nacional foi na competição IndieLisboa. Está, há cerca de dez meses, a fazer a rota mundial dos festivais de cinema e deverá ser disponibilizado na íntegra, ainda este ano: “A televisão portuguesa é o ideal, caso eles estejam interessados”, refere Agnes. O documentário ganhou o Prémio de Melhor Curta-Metragem Internacional na competição portuguesa Curt’Arruda e no Festival Internacional de Cinema de Guanajuato, no México — distinção que catapultou o filme para a lista de curtas-metragens documentais elegíveis para os Óscares de 2019, juntamente com mais 103 de todo o mundo (no entanto, não foi apurado para os cinco finalistas que vão estar em competição).
Apesar de ainda não falar português, Agnes quer deixar Pequim e mudar-se para cá: “Há muitas coisas atractivas para mim aqui. Eu não sei explicar o quê, simplesmente gosto de Portugal”, afirma. E também por cá o seu futuro passará pela realização de filmes. Afinal, “isto também é um estilo de vida”.