Afinal, há gente que sabe estar
Parece-me que Gente Que não Sabe Estar pode ser o marco mais importante do humor português desde O Último a Sair. Pode até espicaçar ligeiramente a dormência da cidadania que vivemos, mantendo a classe política de orelhas levantadas e temerosas.
Não deixa de ser estranho que o humor esteja a viver uma das suas fases mais pujantes e, em sentido contrário, a televisão esteja a viver alheada deste fenómeno, continuando a apostar em telenovelas e noticiários de hora e meia. Perante isto, é importante dar uma valente salva de palmas à TVI, que teve a coragem de apostar forte num segmento humorístico em pleno horário nobre.
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Não deixa de ser estranho que o humor esteja a viver uma das suas fases mais pujantes e, em sentido contrário, a televisão esteja a viver alheada deste fenómeno, continuando a apostar em telenovelas e noticiários de hora e meia. Perante isto, é importante dar uma valente salva de palmas à TVI, que teve a coragem de apostar forte num segmento humorístico em pleno horário nobre.
Gente Que não Sabe Estar (GQNSE) estreou-se domingo à noite na estação de Queluz de Baixo, integrado no Jornal das 8, e é um programa semanal de humor político, ao estilo do norte-americano Daily Show, celebrizado por Jon Stewart e que se mantém no ar pela mão de Trevor Noah. Como fã desse e de outros programas humorísticos, que recomendo vivamente, aliás, como Colbert, Seth Meyers ou John Oliver, só posso estar feliz pela chegada de GQNSE. A apresentar GQNSE, está o incontornável Ricardo Araújo Pereira (RAP), e podemos começar por ele.
É uma perda de tinta e de tempo estar a dizer bem do rapaz, no sentido em que também é uma perda de tinta dizer que a gravidade existe ou que a Terra é redonda. É uma evidência, está à vista de todos, e quem o negar estará apenas a querer ser contra-corrente ou será, de facto, pateta. Ricardo Araújo Pereira é o Midas português, e não falo apenas de humor. Toda a gente o quer ouvir, toda a gente o quer conhecer. Não admira que seja invariavelmente o primeiro convidado de qualquer novo projecto que germina, seja na TV ou na Internet. Além disso, e estou convicto de que parte do seu sucesso a isso se deve, é ainda mais admirável no trato pessoal do que nas piadas que constrói diariamente. Portanto, um programa por si encabeçado tem tudo para resultar, logo à partida.
Mas Ricardo não está sozinho nesta empreitada. Fez um casting soberbo e juntou alguns dos melhores humoristas da nova geração. Para além dos "Gatos" José Diogo Quintela e Miguel Góis, trouxe consigo Guilherme Fonseca, Joana Marques, Manuel Cardoso, Cláudio Almeida, Cátia Domingues e Insónias em Carvão. Uma geração que existe, provavelmente, muito graças ao próprio Ricardo Araújo Pereira, tanto pelos Gato Fedorento como pelo stand-up do comediante no Levanta-te e Ri.
Não vou fazer uma análise detalhada ao programa, porque já houve quem o tenha feito e também porque está online para quem o quiser ver, mas como fã e estudioso do humor português não posso deixar de congratular toda a equipa que nos ofertou uma dádiva daquelas. Vi o programa ao vivo no Teatro Villaret, em Lisboa, e o público eléctrico deixava antever que estava ali um diamante à vista de todos. E, se o programa resultou no teatro, era certo que resultaria também no sofá dos nossos concidadãos. Que o digam os 1,4 milhões de portugueses que viram a TVI àquela hora.
O que posso dizer, puxando do Professor Karamba que há em mim, é que me parece que está aqui o marco mais importante do humor português desde O Último a Sair, juntando-se a outros deste século como Gato Fedorento e Levanta-te e Ri. De tal maneira que acredito que este programa pode espicaçar ligeiramente a dormência política que vivemos, mantendo a classe política de orelhas levantadas e temerosas pelo que RAP e companhia poderão dizer dela, e dando uma pequena ajuda analítica à classe jornalística que pouco mais tem arriscado do que ser pé de microfone. E rogo a todos os santinhos para que GQNSE não deixe de ser contra-poder, sob pena de lhe acontecer o mesmo que ao Contra-Informação, que deixou de ter tanta força simbólica quando os políticos já queriam ter marionetas com a sua cara, ao invés de estarem receosos de serem alvo de chacota.