Populismo, fake news e politicamente correcto: a relação entre a linguagem e os movimentos
Como se combate o populismo através da linguagem e da comunicação? Durante a última semana, um grupo de especialistas esteve em Lisboa a discutir estratégicas. O PÚBLICO ouviu algumas das suas notas.
Definir o populismo pode ajudar-nos a distinguir e desconstruir movimentos? Ruth Wodak, uma linguista austríaca que dedicou a carreira à investigação da linguagem política, acredita que sim. A professora da Universidade de Lancaster foi uma das especialistas que na última semana esteve em Lisboa, num encontro organizado pela Universidade Católica para discutir o populismo e o papel dos media na sua desconstrução, no qual defendeu uma nova abordagem às expressões usadas nos discursos políticos.
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Definir o populismo pode ajudar-nos a distinguir e desconstruir movimentos? Ruth Wodak, uma linguista austríaca que dedicou a carreira à investigação da linguagem política, acredita que sim. A professora da Universidade de Lancaster foi uma das especialistas que na última semana esteve em Lisboa, num encontro organizado pela Universidade Católica para discutir o populismo e o papel dos media na sua desconstrução, no qual defendeu uma nova abordagem às expressões usadas nos discursos políticos.
Expressões como “fake news”, “factos alternativos”, “politicamente correcto” e “populismo” são cada vez mais recorrentes. Mas Wodak defende que só devemos usar estes conceitos “se os definirmos correctamente”. A académica acredita que poucos conhecerão a origem da expressão “politicamente correcto”, já desvirtuada do seu significado, pela forma como é aplicada de forma vaga no quotidiano.
“Por exemplo, o politicamente correcto tem uma longa história de significados, oriundos do movimento de direitos civis dos EUA na década de 1960”, começa por contextualizar a especialista, em resposta ao PÚBLICO. “Naquela época, as minorias, especificamente os afro-americanos, pediram para ser referidos de uma maneira politicamente correcta e de acordo com os nomes que eles próprios usavam. Outros rótulos pejorativos e negativos deviam tornar-se obsoletos”, conta-nos Wodak. Ora, foi a partir daí que “este conceito foi apropriado pela direita política e se tornou um polémico grito de guerra, pressupondo uma ‘polícia da língua’.”
A mesma lógica aplica-a ao populismo. “O populismo perdeu significado. Tudo agora é populismo”, critica. Wodak acredita que desconstruir estas definições através do estudo da linguagem pode ser uma das formas de combate contra os movimentos populistas.
“As pessoas são imersas em bolhas de informações falsas e tendenciosas, em que as opiniões são apresentadas como factos” e em que o recurso a ferramentas como “a publicidade política micro-segmentada” contribui para a eficiência dessa desinformação e manipulação, acrescenta Risto Kunelius, investigador da Universidade de Helsínquia, na Finlândia.
O populismo está mais popular?
“O populismo não emerge apenas da manipulação. É um sintoma de muitos problemas e desafios sérios, genuínos e complexos que o mundo contemporâneo está a enfrentar”, explica o académico finlandês. “O que torna o populismo tão aliciante é o facto de “oferecer respostas simples para problemas complexos, construindo uma parede ou negando a ciência”.
A eficácia do populismo assenta nas “experiências reais e vividas de incerteza e de risco, na sensação de segurança e de direito” para as quais sugere “soluções nostálgicas e dramáticas”. “Há uma confiança na liderança carismática” e, por outro lado, uma “desconfiança no debate, na discussão e na evidência”.
“À medida que o mundo se torna cada vez mais globalizado, muitas pessoas sentem-se mais inseguras e impotentes para lidar com os grandes desafios. “Ser rude tornou-se um sinónimo de coragem. Há um discurso contra as elites muito eficaz porque se apresenta como representativo de uma grande parte dos eleitores”, nota Ruth Wodak.
A comunicação como arma
Coloca-se então a dúvida: o que pode fazer a sociedade para evitar o crescimento do populismo? A primeira coisa é reconhecer que não existem respostas simples — uma das bases do populismo —, ironiza Risto Kunelius. Mas podemos anotar algumas estratégias. “Sustentar um debate normativo que nos ajude a distinguir e a resistir ao racismo, à política de identidade exclusivista e defender a qualidade do discurso público”, começa por enumerar. “Devemos expor as falsidades e exigir justificações, evidenciar as mentiras e discrepâncias”, continua. E, por fim, “pensar em práticas mais cooperativas e orientadas em termos de soluções conjuntas entre o jornalismo e redes de conhecimento e acção social, alertando para a consciencialização dos problemas que surgiram com a digitalização do contexto de media.”
Barbie Zelizer, directora do centro de investigação Center for Media at Risk, da Annenberg School for Communication, da Universidade Pensilvânia, nos EUA, é mais radical na sua resposta. “Os jornalistas baseiam-se na objectividade e equilíbrio, deferência e moderação, pensamento dicotómico e mais uma série de práticas que trazem dos tempos da Guerra Fria que hoje em dia já não funcionam para cobrir a actualidade”, acredita, defendendo um corte com as práticas mais tradicionais do jornalismo.
Por sua vez, a linguista Wodak entende que umas das técnicas mais eficazes para estabelecer uma contra-narrativa populista é “entender o que a atrai as pessoas” e recorrer à mesma fórmula, adaptando o seu conteúdo. A estratégia passa por olhar para os slogans, bandeiras, metáforas e representações utilizadas quer pela esquerda quer pela direita populista e transformar essa retórica num discurso positivo, com o recurso às mesmas bengalas de linguagem.
“Isto não implica usar mentiras, ofensas ou linguagem abusiva, racista, sexista, anti-semítica ou de culpabilização de minorias por problemas sociais complexos”, vinca a autora. “Os cenários de perigo podem ser usados quando queremos alertar para as alterações climáticas”, exemplifica.