O vergonhoso confisco na Arrábida
A margem direita do Douro junto à Foz transformou-se numa montra de apropriação indevida de terrenos públicos.
O teatro de sombras que se montou nas últimas décadas em terrenos contíguos à Ponte da Arrábida é um eloquente exemplo da falta de pudor com que em Portugal uma corte de privilegiados consegue apropriar-se de bens do domínio público. Não faltam nessas manobras nem astúcia, nem audácia, nem conhecimento dos buracos da lei ou das fragilidades da administração pública. Não faltam também empreiteiros destemidos, advogados espertos, autarcas negligentes e administradores do património público incompetentes e laxistas. É um daqueles casos em que a sociedade perde por falta de quem se empenhe em defendê-la.
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O teatro de sombras que se montou nas últimas décadas em terrenos contíguos à Ponte da Arrábida é um eloquente exemplo da falta de pudor com que em Portugal uma corte de privilegiados consegue apropriar-se de bens do domínio público. Não faltam nessas manobras nem astúcia, nem audácia, nem conhecimento dos buracos da lei ou das fragilidades da administração pública. Não faltam também empreiteiros destemidos, advogados espertos, autarcas negligentes e administradores do património público incompetentes e laxistas. É um daqueles casos em que a sociedade perde por falta de quem se empenhe em defendê-la.
No meio de tantas permutas, tantos negócios paralelos, registos duvidosos por usucapião, licenças camarárias discutíveis ou interpretações administrativas originais, a margem direita do Douro junto à Foz transformou-se numa montra de apropriação indevida de terrenos públicos. Imaginar que tal história se conta sem episódios de venalidade é como ter fé nas fábulas. Acreditar que autarcas como Nuno Cardoso, Rui Rio e Rui Moreira estiveram à altura das suas responsabilidades para reverter as negociatas é pura imaginação. Houve sempre um parecer jurídico, um cartório em Montalegre ou um registo duvidoso a legitimar o confisco e quase nenhuma determinação dos autarcas para o combater.
Todas estas histórias se sabem porque felizmente há oposição na Câmara do Porto e uma imprensa independente para revelar histórias abjectas de apropriação de terrenos como a da Selminho – os jornalistas do PÚBLICO que a escreveram foram processados por Rui Moreira. Aberto o livro, essas histórias caem na alçada da Justiça. No caso Selminho, os terrenos vão regressar à Câmara. Nos terrenos onde se ergue o empreendimento da Arcada, resta esperar pela decisão da acção desencadeada pelo Ministério Público.
Há ainda muito por esclarecer na lamentável história da Arrábida. Acreditar que os terrenos vão regressar ao domínio público é pura fantasia – há direitos adquiridos e indemnizações gigantescas a travar essa legítima ambição. Apurar responsabilidades dos intervenientes, será igualmente um mito – haverá sempre a defesa do parecer e dos direitos adquiridos. Ao menos que todo este manual de operações de bastidores sirva de alerta para outras autarquias. E que sirva também para mostrar que, apesar de todas estas adversidades, há funcionários públicos que se recusam a branquear as nódoas. Como Moreira da Silva, da Câmara do Porto. Cumprindo o seu dever, foi avisando os presidentes sobre a apropriação de terrenos públicos. O seu sentido de dever foi crucial no caso Selminho. Era bom que Rui Moreira lhe desse uma medalha de mérito municipal.