Vale do Sado quer água do Alqueva para arroz e outras culturas

Resposta às alterações climáticas exige plano do Ministério do Ambiente, mas grupo de trabalho está quase há um ano para sair do papel.

Foto
Enric Vives-Rubio

A produção de arroz no Vale do Sado, a segunda região do país nesta cultura, está em risco a prazo, por causa das alterações climáticas, se a água do Alqueva não chegar em quantidade suficiente e a preços que os produtores possam pagar.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A produção de arroz no Vale do Sado, a segunda região do país nesta cultura, está em risco a prazo, por causa das alterações climáticas, se a água do Alqueva não chegar em quantidade suficiente e a preços que os produtores possam pagar.

Os períodos de seca são cada vez mais frequentes — nos últimos cinco anos, três foram de seca — e atingem a bacia do Sado de forma particularmente dura, com as reservas hidrográficas mais baixas do território nacional.

O ano de 2017 foi de seca extrema e este ano começa com números preocupantes. Não tem chovido e a reserva de água nas seis albufeiras da região atingia em 31 de Dezembro apenas 37% da capacidade, repartindo-se por Pego do Altar (que está a 54%), Vale de Gaio (48%), Odivelas (45%), Campilhas (10%), Monte da Rocha (11%) e Roxo (38%).

A evolução da situação e a falta de resposta por parte do Governo, está a deixar cada vez mais preocupados os produtores e as organizações ligadas à rega e à agricultura na região.

A Associação de Agricultores de Alcácer do Sal, a Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sado e a Aparroz — Agrupamento de Produtores de Arroz do Vale do Sado, com a colaboração da Câmara de Alcácer, tem vindo a alertar o ministro do Ambiente para a necessidade de um plano mas sem sucesso prático.

O grupo de trabalho prometido pelo ministro João Pedro Matos Fernandes em Abril do ano passado ainda não saiu do papel e a demora levou já o autarca Vítor Proença a criticar a “passividade” do ministro.

“A questão é séria e muito grave e é uma falta de respeito não haver qualquer reunião passado quase um ano”, disse Vítor Proença ao PÚBLICO, na quinta-feira, depois de na reunião pública de câmara ter informado que dias antes enviou uma carta ao ministro porque, o município “tentou várias vezes contactar a APA [Agência Portuguesa do Ambiente], sem nunca obter qualquer resposta”.

Após esta insistência do autarca junto do Ministério do Ambiente, os produtores e a autarquia receberam, no mesmo dia, à tarde, um email da APA para agendamento do encontro em falta há quase um ano.

“Água a preços exorbitantes”

O perímetro de rega de Vale do Sado, com quase seis mil hectares agrícolas, tem duas albufeiras principais, e cuja capacidade está quase exclusivamente dedicada à rega do arroz e, apesar de uma das barragens, a de Vale de Gaio, já receber água do Alqueva, o problema da seca no futuro não está resolvido.

Primeiro pelo volume de abastecimento que é insuficiente, com um caudal muito diminuto e depois porque o valor cobrado pela EDIA — Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, é muito elevado.

“O que chega do Alqueva a Vale de Gaio é um fiozinho de água e a um preço exorbitante”, diz ao PÚBLICO João Reis Mendes, da Aparroz. Segundo este responsável, o custo da água do Alqueva é de “pelo menos três vezes mais do que o que temos nas outras duas albufeiras”.

Um custo que a Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Tejo tem de repercutir no valor cobrado aos produtores, mas que o sector não pode pagar.

“Não basta a solução técnica de a água chegar às albufeiras, está em causa também o preço. O Arroz consome muita água e não tem rentabilidade para pagar o preço que outras culturas pagam, no Alentejo”, explica Gonçalo Faria da associação que gere o sistema de rega à agricultura.

O preço da água é uma decisão “claramente política”, de tal forma que a fixação do tarifário da EDIA envolve os ministros da Agricultura, Ambiente e Finanças, e este responsável diz que a solução poderia passar por um regime especial para os campos de arroz.

“Talvez uma bonificação para o arroz, à imagem da redução de 90% na taxa de recursos hídricos, porque o arroz não consome toda a água que é necessária”, sugere Gonçalo Faria, argumentando com a função ambiental desta cultura. “A cultura de arroz impede o avanço do mar. Naquela zona da Comporta, se não houvesse campos de arroz, o mar ia avançando pelos campos agrícolas”, sustenta.

A associação de regantes está a preparar o arranque, provavelmente em Julho, de importantes obras de reparação dos canais de rega, que tem mais de 70 anos, num investimento superior a 40 milhões de euros. A reabilitação da rede deverá estar concluída em 2020 mas de pouco servirá se a água faltar nas albufeiras de Pego do altar e Vale de Gaio, que abastecem o sistema.

A Associação de Agricultores de Alcácer do Sal, que, após a seca extrema de 2017, liderou a mobilização dos demais interessados na procura de soluções para a rega no Vale do Sado, queixa-se de discriminação no acesso à água.

“O concelho de Alcácer do Sal está a ser altamente desfavorecido relativamente ao uso da água do Alqueva que nos chega através da barragem de Vale de Gaio. A conduta é diminuta, leva dez ou 11 meses a encher e, depois, se chove, temos de a jogar fora, de deitar a água ao Sado”, afirma Francisco Vacas. Um desperdício que os regantes acabam por ter de pagar porque o abastecimento a partir do Alqueva tem custos.

“A EDIA neste momento a única coisa que quer é vender água, assim o custo para a agricultura é completamente insuportável e inviabiliza a cultura do arroz”, diz Francisco Vacas.

Os agricultores solicitam um aumento da conduta, a ligação do Alqueva também ao Pego do Altar e a revisão dos preços cobrados pela EDIA.

No panorama nacional de produção de arroz, o Vale Sado, representa cerca de 32%, o Ribatejo um pouco mais 46%, e o Mondego os restantes 21%.