A vitamina C previne mesmo as constipações?
Se há casos em que a toma de multivitamínicos em excesso até pode não acarretar grande problema e apenas deixa a “urina mais cara”, com a vitamina C e outros nutrientes com capacidade antioxidante a história é bem diferente.
Nesta altura do ano, uma suplementação clássica que se costuma fazer é a de vitamina C para prevenir as constipações. Haverá alguma evidência de que esta estratégia faça sentido?
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Nesta altura do ano, uma suplementação clássica que se costuma fazer é a de vitamina C para prevenir as constipações. Haverá alguma evidência de que esta estratégia faça sentido?
A resposta é nim! Porquê?
Porque o máximo que se pode dizer é que a vitamina C pode de facto reduzir a duração dos sintomas associados a uma constipação, mas não necessariamente prevenir. A última revisão sobre o tema feita pela Cochrane refere que a suplementação em vitamina C não diminuiu a incidência de constipações. Já a duração das mesmas em indivíduos a suplementarem mais de 200mg/dia de vitamina C diminuiu em média 8% nos adultos e 14% em crianças. O que quer dizer que se uma constipação durar em média três dias, a toma de vitamina C pode diminuí-la em cerca de seis horas nos adultos e dez horas nas crianças. Interessante, mas não fabuloso, sobretudo se tivermos em conta que 200mg de vitamina C é o equivalente e três laranjas ou três kiwis médios (nada inatingível numa alimentação equilibrada). Uma outra revisão mais recente aponta no mesmo sentido, com a diminuição da duração e dos sintomas (dores no peito, febre e arrepios).
Este é daqueles mitos óptimos para quem gosta de se socorrer da falácia da autoridade (tal como no mito do jejum), porque podemos dizer que o seu “inventor” foi um duplo prémio Nobel! Linus Pauling, foi galardoado com o Nobel da Química em 1954 (que não teve nada a ver com a vitamina C) e com o Nobel da Paz em 1962 pela sua oposição às armas de destruição maciça. Certamente que com as carências alimentares e nutricionais existentes no tempo de vida do Dr. Linus Pauling (1901–1994), a suplementação com vitamina C até pode ter tido efeitos bastante positivos na saúde daqueles que a conseguiram tomar, mas não ao ponto das quantidades obscenas que eram por ele recomendadas uma vez que esta passou a ser a sua obsessão científica.
Uma vez que estamos a falar de uma vitamina, existe sempre a tendência de dizer (quando se recomenda este tipo de suplementação) que “pode até não resultar, mas mal não faz!”. Se há casos em que a toma de multivitamínicos em excesso até pode não acarretar grande problema e apenas deixa a “urina mais cara” (uma vez que os compostos em excesso são por lá excretados), com a vitamina C e outros nutrientes com capacidade antioxidante a história é bem diferente. Para início de conversa, a suplementação crónica de grandes quantidades de vitamina C pode aumentar o risco de cálculos renais.
Em contexto desportivo, onde esta suplementação é utilizada de forma recorrente, até porque a produção de radicais livres é maior, o que se observa de forma indesmentível é que a suplementação com altas doses de vitamina C (1 g) é mais prejudicial do que benéfica. Boa parte dos benefícios e adaptações ao treino são atingidos com estes radicais livres que são produzidos. Inibindo a sua acção com suplementos antioxidantes, processos positivos como o aumento do número de mitocôndrias e vasos sanguíneos, melhoria da sensibilidade à insulina e hipertrofia muscular ficam comprometidos. Alastrando este efeito antioxidante da vitamina C, a outros compostos com esta actividade como a vitamina E e os beta-carotenos, aquilo que podemos dizer é que a suplementação crónica nestes compostos até aumenta a mortalidade, o que é bastante irónico para quem tenta ver nestes suplementos uma ajuda anti-aging.
Importa também referir que quer as gripes, quer as constipações são causadas por vírus e por isso não se tratam com antibióticos! Nunca é demais relembrar esta questão numa altura em que a resistência ao efeito dos antibióticos é um problema de saúde pública.
Ainda assim, hierarquizando coisas que têm pouca evidência, antes vitamina C do que remédios homeopáticos (que continuam inacreditavelmente a ser dados em farmácias a indivíduos leigos na área da saúde com os sintomas típicos das constipações). Caso para dizer que “todos os dias se levanta um lorpa, é só preciso encontrá-lo”.
Concluindo, uma alimentação rica em vitamina C (todos os tipos de couve, pimento, laranja, kiwi, agrião, morango, brócolos), é sempre o primeiro passo. Nos dias em que até não consiga comer fruta, sopa e legumes em boas quantidades pode de facto fazer essa suplementação esporádica em pequenas quantidades (100 a 200 mg vitamina C/dia). Se apanhar uma gripe ou constipação não há de facto problema em suplementar vitamina C numa quantidade maior (até 1 g/dia) para tentar recuperar o mais rápido possível. Mas assim que possível suspenda essa suplementação e não a use de forma alguma como prevenção.