Science4you: “A estratégia mantém-se, mas não poderá ser tão ambiciosa”
O presidente e fundador da Science4you, Miguel Pina Martins, afirma que apesar de a empresa ter falhado a entrada na bolsa, o objectivo é “continuar a crescer” embora “não de uma forma tão acelerada” como previsto. "O momento não foi o melhor”, diz.
Na passada quarta-feira, a Science4you anunciou que desistia do seu plano de entrar no mercado de capitais. Com isso, perdeu, pelo menos por agora, a oportunidade de arrecadar entre cinco a 15 milhões com a dispersão de até 44,1% do capital (entre novas acções e títulos existentes) na Euronext Growth (orientada para as PME, e situada entre a Acess e a Euronext).
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Na passada quarta-feira, a Science4you anunciou que desistia do seu plano de entrar no mercado de capitais. Com isso, perdeu, pelo menos por agora, a oportunidade de arrecadar entre cinco a 15 milhões com a dispersão de até 44,1% do capital (entre novas acções e títulos existentes) na Euronext Growth (orientada para as PME, e situada entre a Acess e a Euronext).
Agora, o seu presidente e fundador, Miguel Pina Martins, diz que apesar da tentativa falhada de entrar na bolsa o objectivo é “continuar a crescer”, a nível internacional e no comércio electrónico, embora “não de uma forma tão acelerada” como previsto. "No final do dia, as pessoas não foram comprar [as acções], para sermos francos e transparentes", diz o empresário, afirmando que tal aconteceu ao nível do retalho e dos investidores institucionais. “O momento não foi o melhor”, sublinha, referindo-se à turbulência das bolsas e que provocou o falhanço de operações de outras empresas, acrescentando que “as perspectivas não estão boas para o longo prazo”.
Em concreto, o que é que impediu a entrada da empresa em bolsa?
Foi o facto de não termos conseguido chegar ao valor mínimo a que nos tínhamos proposto inicialmente, de cinco milhões de euros [correspondente a cerca de dois milhões de acções]. Sem essa condição mínima não se conseguia dar continuidade à operação. Sobre o "porquê", pode haver várias justificações. Eu acho que o momento não foi o melhor. A Sonae já tinha tentado e disse a mesma coisa, tal como a Vista Alegre. Também a Cepsa e muitas outras empresas [a nível internacional] acabaram por retirar os seus IPO [Initial Public Offers, Ofertas Públicas de Venda iniciais, em português], com dimensões bastante grandes. Costuma dizer-se que no mercado de capitais o timing é tudo e isso é algo que acabo por subscrever. Acho que essa é a principal razão. No final do dia, as pessoas não foram comprar, para sermos francos e transparentes, mas também não compraram as outras, pelo que acho que a falta de timing foi o ponto maior.
Que tipo de investidores se mostraram mais ausentes?
Nós tínhamos um pouco de tudo, por isso não posso dizer que a culpa foi de um ou de outro. Tivemos ordens relativamente grandes e também pequeninas. Faltaram os dois, o retalho e vertente mais institucional.
Em que momento é que percebeu que a operação ia falhar?
A primeira semana correu muito bem, ficámos entusiasmados, mas depois começaram os problemas mais marcantes nas bolsas. A segunda semana já não correu como estávamos à espera e a terceira foi um pouco melhor mas não o suficiente para ir ao encontro das nossas expectativas. Depois prorrogámos a oferta, para ganhar tempo e ver o que acontecia, mas a evolução não foi positiva. As semanas a seguir foram terríveis, com acontecimentos como a prisão da vice-presidente da Huawei [no Canadá, a pedido dos EUA, provocando efeitos nos mercados devido aos receios de guerra comercial com a China] e a pior semana desde 1930 nos EUA, com uma volatilidade fora do normal. E foi aí que começámos a perceber que não ia ficar fácil, porque estamos a falar de uma acção com uma perspectiva de longo prazo relativamente grande. Quem fosse comprar, ia depois, daqui a um, dois ou três anos, olhar de novo para o título e ver como estava. E, neste momento, tudo demonstra que as perspectivas não estão boas para o longo prazo. Ninguém acha que iremos estar melhor dentro de três, cinco anos. O próprio ministro da Economia veio agora chamar a atenção para um desaceleramento. E acho que há um sentimento colectivo que podemos estar ou no fim de um ciclo ou perto desse fim de ciclo. E é isso que acho que está a impedir os IPO de acontecerem e o nosso não foi excepção.
O anúncio do contrato de liquidez, ligado ao prolongamento do prazo, não foi suficiente...
Não, não foi. Com a questão da liquidez podíamos ter atraído um pouco mais o chamado day trader [operações ligadas ao muito curto prazo]. Sabíamos que a Science4you não ia exactamente ser o título com mais liquidez da bolsa nacional, esse nunca foi o objectivo. Com o contrato de liquidez, o que pensámos foi que seria positivo porque mesmo aquelas pessoas que só estavam em pensar no day trade pelo menos já sabiam que seria relativamente fácil sair da acção se fosse necessário. Mas acabou por não ter o resultado que esperámos por causa da situação das bolsas, que se degradou muito.
Em relação à estratégia de entrar na bolsa, esta mantém-se mas sem calendário, é isso?
Sim. Gostaríamos de voltar a tentar. Não correu bem, é um facto, mas, com o devido tempo, no devido momento, se todas as condições se propiciarem, acho que teremos condições para voltar. Não sei se daqui a seis meses, um ano ou um ano e meio. Não faço ideia, honestamente. O que aprendemos com esta operação é que, de facto, o timing é realmente tudo.
Além do encaixe para os accionistas, onde se incluem, para além de si, o BCP e a estatal Portugal Ventures, a entrada em bolsa envolvia um aumento de capital para a continuação da internacionalização e o desenvolvimento do negócio do comércio electrónico. Esta estratégia é afectada?
Não. A nossa estratégia mantém-se, mas naturalmente não poderá ser tão ambiciosa. O objectivo é continuar a crescer, acreditamos que ainda há muito mercado para crescer, se calhar não de uma forma tão acelerada. Essa estratégia já vinha de há um ano atrás, em que nem estava a sonhar num IPO. A nossa viragem, o "Cabo das Tormentas" de fazermos ou não um IPO dá-se com a Raize [que concretizou o seu IPO em Julho, através da Euronext Acess]. Achámos que o IPO podia ser uma oportunidade interessante tanto para o aumento de capital, como para a saída de uma parte dos accionistas que já estão há muitos anos na empresa, nomeadamente a Portugal Ventures, que podia aproveitar este momento para um encaixe financeiro.
E por onde passa o crescimento?
A estratégia mantém-se muito alicerçada nos mesmos pontos: nos mercados internacionais, e acima de tudo com uma alavanca no digital, que é onde os brinquedos vão ser vendidos daqui a cinco e dez anos - sendo que hoje em dia já o são bastante. Acreditamos que que o comércio electrónico vai continuar a crescer nos próximos anos, a passos muito largos, e é aí que queremos estar.
Quando fala de expansão a nível internacional está a pensar exactamente em quê? Em algum mercado específico?
Não. Nós estamos muito focados nos mercados onde existe uma classe média forte e vamos manter esse foco. Ou seja, Europa, Estados Unidos, Austrália e Canadá. Onde é dada uma grande importância à educação e onde há uma classe média forte, com estudos, e que percebe a importância de, hoje em dia, aprender enquanto se brinca. E de, num mundo cada vez mais competitivo, as crianças puderem tirar o máximo partido do seu tempo e aproveitá-lo a fazer algo que seja positivo e construtivo.
Qual o peso do mercado internacional nas receitas?
Em 2017 teve um peso de cerca de 70%, ainda não fechámos as contas de 2018 mas não deverá ser muito diferente, talvez um pouco mais para o internacional.
Em 2017 as vendas foram de 22 milhões de euros e o resultado líquido foi de 206 mil euros. Em 2018 houve uma melhoria?
Ainda não fechámos as contas. Houve todo este processo do IPO, estamos também a fazer uma mudança de sistemas, pelo que ainda não iniciámos esse debruçar sobre as contas de 2018. Nesta fase também achamos que não é ainda o momento de falar delas.
A Science4you foi muito afectada pelo fim da Toys 'R' Us?
O fim da Toys 'R' Us afectou toda a gente, genericamente, pelo mundo. Principalmente nos mercados onde fechou. Em Portugal acabou por ser comprado, mas Estados Unidos, Reino Unido, onde estamos presentes, e Austrália, foi como um "murro no estômago" para toda a gente. E sabe-se que a indústria não passou um 2018 propriamente bom em comparação com 2017, o que muito tem a ver com o facto de, genericamente, se ter perdido esse cliente. O Toys 'R' Us era um cliente muito específico, com um long tail, ou seja, tinha muitos produtos. Uma pessoa ia ao Toys 'R' Us e podia comprar 30 barbies diferentes, mas se vai a um hipermercado só tem cinco ou seis. Agora aumentaram um bocadinho, mas só têm oito ou nove. Então e as outras vinte barbies? Onde é que se compram? Essa é que é a grande dificuldade que a indústria acaba por ter. Obviamente que o online tem mais, porque o long tail é superior, com 80 barbies em vez de 30, mas está tudo muito focado nos tops de venda. E isso não acontecia muito na Toys 'R' Us, que tinha realmente uma diversidade de produtos superior ao normal. Isso obviamente que traz alguns problemas à indústria, genéricos, mas que tenho a certeza que em 2019 já não se irão fazer sentir.
O que é que mais o preocupa mais neste momento enquanto responsável da empresa?
É conseguir aumentar as vendas, porque temos sempre esse desafio, e que os custos se mantenham o mais baixo possíveis em comparação com as vendas. É esse o grande desafio da Science4you para 2019, e acho que são preocupações comuns a uma parte significativa dos CEO [presidentes-executivos] deste país e pelo mundo fora.