A verdade desportiva
É Rui Pinto um simples pirata que tirou proveito financeiro ilegal das suas habilidades informáticas ou é alguém que conscienciosamente as colocou ao serviço da transparência e da revelação de práticas ilícitas?
“Jovem hacker português que expôs corrupção e outros crimes e negócios sujos em clubes de futebol (nomeadamente no Benfica) foi preso na Hungria e pode ser extraditado para Portugal. É um ciberpirata ou um whistleblower?”
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“Jovem hacker português que expôs corrupção e outros crimes e negócios sujos em clubes de futebol (nomeadamente no Benfica) foi preso na Hungria e pode ser extraditado para Portugal. É um ciberpirata ou um whistleblower?”
Quem deixou a questão anteontem na rede social Twitter foi a eurodeputada Ana Gomes. No caso de Rui Pinto, detido na Hungria com um pedido de extradição das autoridades portuguesas, é a pergunta que se impõe. É ele um simples pirata que tirou, ou tentou tirar, proveito financeiro ilegal das suas habilidades informáticas ou é alguém que conscienciosamente as colocou ao serviço da transparência e da revelação de práticas ilícitas?
Para as autoridades portuguesas é a primeira hipótese que prevalece, num caso em que Rui Pinto é acusado de procurar extorquir dinheiro à Doyen, um fundo de investimento no universo de futebol. Mas são as mesmas autoridades que partiram da exposição de emails, alegadamente obtidos por Rui Pinto, para acusar um importante assessor jurídico do Benfica no processo E-Toupeira. Um exemplo de como o mundo do futebol consegue ter uma influência perniciosa nos mais diversos sectores da sociedade. Os lugares cativos de juízes nas bancadas presidenciais ou os bilhetes e viagens oferecidos a políticos são outros exemplos, mesmo que, porventura, mais inofensivos.
Se olharmos para a série de casos que foram sendo revelados pela plataforma Football Leaks, que vão da fuga de impostos ao tráfico de influências, da manipulação de resultados ao doping, com nomes que vão de Messi a Ronaldo, de Jorge Mendes ao presidente da UEFA, percebemos que não é muito difícil inscrever a acção destes hackers na peugada de nomes como Edward Snowden ou Julian Assange. Sem o seu trabalho de whistleblowers o mundo obscuro do futebol seria ainda mais opaco e não teria sido possível a diversas autoridades nacionais perseguir os infractores. É nisso que acreditarão as autoridades francesas, a confirmar-se que o informático português está a colaborar com elas.
O tribalismo reinante no futebol português, que alimenta horas intermináveis de discussões inúteis e ridículas, reduz Rui Pinto a um aliado do FC Porto ou a um inimigo do Benfica. Mas a história do português parece estar bem para lá disso e merece a nossa atenção como cidadãos, porque atestará capacidade de um indivíduo fazer a diferença ao revelar o que muitos preferiam manter bem escondido.