Olha a graça que a Dona Graça tem
Uma casa sonhada por três amigos transformou-se numa espécie de oásis: um espaço que se propõe a acolher visitantes como se estivessem em sua casa mas com mimos de pequenos e grandes luxos.
“Ao olhar-te da janela / Vi teus olhos pousar nela / Na janela que eu abri / Das cortinas voaram beijos / E entre eles alguns desejos.” Na noite em que visitámos a Dona Graça, o fado cantado ao vivo por Teresinha Landeiro, uma das vozes da nova geração de fadistas, ecoava pelos corredores e quartos desta casa, uma guesthouse que interliga a privacidade garantida pelo seus pequenos oito apartamentos com o lado familiar dos espaços comuns e alguns luxos próprios da hotelaria de cinco estrelas.
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“Ao olhar-te da janela / Vi teus olhos pousar nela / Na janela que eu abri / Das cortinas voaram beijos / E entre eles alguns desejos.” Na noite em que visitámos a Dona Graça, o fado cantado ao vivo por Teresinha Landeiro, uma das vozes da nova geração de fadistas, ecoava pelos corredores e quartos desta casa, uma guesthouse que interliga a privacidade garantida pelo seus pequenos oito apartamentos com o lado familiar dos espaços comuns e alguns luxos próprios da hotelaria de cinco estrelas.
E que melhor sítio para a Dona Graça morar que numa das “aldeias” alfacinhas mais emblemáticas, onde há vida de bairro pelas ruas, o comércio mais tradicional mantém as portas abertas, mesmo concorrendo com mercearias dois-em-um de encerramento tardio, e os vizinhos ainda param para conversarem quando se cruzam.
“Aqui, mais parece estarmos numa ilha”, diz-me um dos três sócios do projecto, enquanto olha em volta para o bem tratado jardim, amuralhado em parte pelas casas térreas das vilas operárias que ali foram nascendo na primeira metade do século XX e que, aquando da renovação do edifício transformado em alojamento turístico, receberam o tratamento necessário para que tudo se integrasse de forma harmoniosa. Por aqui, há uma pequena piscina para os dias mais calorosos, mas, para os dias mais frios (e especialmente para as noites de Inverno, como a que passámos por aqui) há também solução: aquecedores que são umas verdadeiras lareiras para aquecer tudo (e até podemos sugerir um bom copo de vinho tinto para o remate perfeito).
O burburinho da capital parece ter ficado longe, mas todo o espírito lisboeta foi convidado a entrar. E a ficar. Mas não só. A “portugalidade” cantada por Teresinha pode ser encontrada em cada recanto: na decoração, no mobiliário, mas sobretudo na forma de receber. Afinal, mesmo sem sala de convívio ou bar a convidar conversas tardias, esta é uma casa idealizada por três amigos que, em conjunto, criaram um espaço onde recebem gente de todo o mundo mas onde poderiam muito bem receber as pessoas das suas vidas – “e é isso que acontece às vezes”, confessam. O jardim comum transforma-se por umas horas em sala de estar familiar onde, em momentos especiais e escolhidos a dedo, como por altura dos santos populares, os proprietários partilham momentos com os hóspedes, trazendo a Lisboa de cada um para dentro das fronteiras deste oásis urbano.
O tradicional casa com o contemporâneo
Tudo no Dona Graça – que, mais do que um alojamento, é uma primeira experiência da marca Dona, com a qual os três sócios têm na calha a abertura de novos espaços noutros bairros típicos da cidade – foi pensado para ser genuinamente português, ainda que na maioria dos casos a identificação não seja a mais óbvia, como algumas peças, compostas por materiais lusos e desenhadas dentro de portas, cujas linhas simples nos remetem para estilos que não identificamos com a herança nacional.
Mas neste Dona Graça a contemporaneidade casa a cada instante com o que há de mais tradicional. É o caso das mesinhas de cabeceira que adoptaram os típicos bancos de tesoura, esculpidos artesanalmente por um dos poucos mestres que restam na serra de Monchique, da escolha da pedra lioz, calcário típico da região de Lisboa, do ladrilho hidráulico, das porcelanas ou das coloridas mantas que, nascidas de velhos teares, nos incentivam a explorar as páginas dos velhos livros que vivem no nosso luminoso apartamento.
Aliás, a luz é a nota dominante por cada uma das habitações, parecendo alterar ao longo do dia a vida dos espaços, concebidos para que possam ser chamados de lar nem que seja apenas por uma noite. Com traços únicos, fruto do aproveitamento dos espaços, cada apartamento é composto por quarto, sala, cozinha com uma pequena mesa de refeições e casa de banho – há ainda dois quartos comunicantes entre si, ideais para famílias. Tudo milimetricamente pensado para ser funcional sem que o sentido de aconchego seja posto em causa e até o aroma que envolve todo o edifício chega directamente da mui lusitana Castelbel (que também é o selo que se encontra nos produtos de higiene).
Não é difícil, por isso, imaginar que, ao fim de um dia de reconhecimento de Lisboa, a chegada a este espaço seja um convite a prolongar o estudo sobre a cidade – quer através da leitura, à conversa com quem parece estar sempre disponível para nos acolher ou simplesmente debruçados nas janelas, num limbo entre o pulsar cada vez mais vibrante da urbe e a tranquilidade que os apartamentos transmitem. Depois, o sono que, como canta Teresinha, faz-se “como um rio a respirar / na noite que vai passando” até que, “devagarinho” o convite é para “beber o nascer do dia”.
Aventura a seis mãos
Amigos desde sempre, António Polena, Hugo Diogo e Rui Vinagre sempre partilharam uma paixão: a cidade e as suas memórias. Os caminhos de cada um não poderiam, porém, ter sido mais diferentes. António seguiu a área financeira, Rui optou pela arquitectura e Hugo decidiu-se pela engenharia ambiental, sem sequer suspeitarem que seriam essas mesmas distintas experiências que acabariam por uni-los num projecto comum.
Da ideia à prática, explicam, foi tudo muito rápido. Até porque decidiram apostar num edifício que requeresse reabilitação, mas que dispensasse obras de maior envergadura – ainda que as efectuadas não tenham sido exactamente apenas uma lavagem de cara. “As escadas interiores, por exemplo, deram muito trabalho.”
O prédio, datado do início do século XIX e localizado na Rua da Belavista à Graça, foi assim um achado e o trio deu-lhe uma nova vida, ainda que tenha aproveitado de forma exemplar a herança das vidas passadas da estrutura: alguns azulejos, pedras decorativas, beirais ou os ferros forjados.
As memórias do passado chegam ainda de outras formas, como com o pequeno-almoço, deixado à porta dos apartamentos num saco de juta, com tudo o que se esperaria encontrar numa requintada primeira refeição da manhã – pão fresquinho e ainda estaladiço, croissant, manteiga e compota, fiambre e queijo, sumo de laranja natural ou, para quem preferir, o leite para juntar ao café para tirar da máquina disponível em cada lar.
A palavra lar, mesmo que temporário, não é aqui usada em vão, já que é esse sentido de familiaridade que os sócios do projecto vincam continuamente. Aliás, garantem que está sempre um presente no espaço, o, digamos, anfitrião de serviço, para que o hóspede se sinta sempre acompanhado e cada cada pessoa que chega seja tratada da mesma forma que um amigo de visita. Na propriedade, há também um pequeno espaço de acolhimento que combina ainda uma zona de loja com produtos típicos.
E, enquanto vamos descobrindo como a Dona Graça se vai transformando num lar, pelo seu espaço parecem ainda ecoar as palavras que cantam uma “Lisboa linda do meu bairro antigo”. Uma Lisboa turística sim, mas apostada em fazer valer e a não perder uma das maiores forças do turismo português: a tradição da arte de bem receber.
A Fugas esteve alojada a convite do Dona Graça