Governo continua a reter mais IRS apesar do alívio face a 2018
Tabelas de retenção na fonte têm taxas mais baixas, mas não para todos. Descida ainda não reflecte toda a redução do IRS. Efeito diferido amortece impacto na receita dos reembolsos a pagar na Primavera de 2019.
Sem que nada mude nas taxas do IRS, muitos contribuintes vão ter uma retenção na fonte do imposto mais baixa do que em 2018, ficando com um rendimento líquido maior todos os meses. O Governo de António Costa sempre assumiu que faria a redução do IRS a dois tempos, mas as tabelas de 2019 trazem surpresas.
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Sem que nada mude nas taxas do IRS, muitos contribuintes vão ter uma retenção na fonte do imposto mais baixa do que em 2018, ficando com um rendimento líquido maior todos os meses. O Governo de António Costa sempre assumiu que faria a redução do IRS a dois tempos, mas as tabelas de 2019 trazem surpresas.
Primeiro, uma confirmação: ao longo do ano passado, o fisco foi retendo todos os meses mais imposto do que reteria se Mário Centeno tivesse reflectido logo aí toda a redução no desconto mensal nos salários e nas pensões. A novidade é que a estratégia se repete este ano, repartindo os efeitos a três tempos, até 2020.
Se é certo que o fisco vai reter menos imposto este ano, aproximando o desconto do valor real a pagar, verifica-se agora pelas novas tabelas que o Governo vai continuar a reter mais do que aconteceria se repercutisse já mensalmente a restante descida prometida.
As análises das consultoras PwC e Deloitte não deixam margens para dúvidas. “Genericamente, a actualização das taxas de retenção não reflecte a esperada redução decorrente da reformulação dos escalões”, observa Ana Duarte, da equipa fiscal da PwC.
Também Luís Leon, fiscalista da Deloitte, considera que “face à expectativa criada” se esperava que as novas tabelas tivessem uma redução maior, porque há impactos que continuam adiados. “O Governo mantém a estratégia global de atirar para o ano seguinte a maioria dos impactos [para o momento dos reembolsos]”, afirma.
A PwC dá um exemplo: um contribuinte solteiro que aufira 1500 euros por mês tinha em 2017 (antes da descida do imposto) uma taxa de retenção de 18,5%. Com a reformulação em 2018, a retenção na fonte sobre esses 1500 euros passou a ser de 18% (há uma redução de 0,5 pontos percentuais); em 2019, baixa para 17,8% (há uma redução de 0,2 pontos percentuais). Embora haja um alívio, “para que a totalidade da redução do IRS fosse reflectida na taxa de retenção na fonte, esta deveria situar-se em aproximadamente 17,5%”, conclui a PwC.
Ao voltar a diferir os efeitos – devolvendo na Primavera de 2020 o que não foi agora totalmente repercutido nas tabelas –, o Governo pode conseguir aqui aplacar algum do impacto orçamental que terá de assumir este ano com o pagamento dos reembolsos do IRS de 2018. Para este ano antecipam-se devoluções maiores do que aconteceu no ano passado (em relação ao IRS de 2017) justamente porque as tabelas de retenção não reflectiram toda a descida. Se a reflectissem completamente, as simulações entre 2017 e 2018 em casos idênticos fariam com que valor do reembolso se mantivesse, o que não acontecia nas simulações feitas já há um ano.
Sem nunca explicitar estes impactos, o gabinete do ministro das Finanças referiu-se nesta sexta-feira em comunicado às alterações nas tabelas como “pequenos ajustes” para “melhor reflectir os resultados da reforma dos escalões de IRS”.
As tabelas são apenas uma previsão feita em função daquilo que se prevê que a pessoa vá pagar, mas é no momento da entrega das declarações no ano seguinte que se apura o imposto final e se fazem esses acertos em função de todas as variáveis que importam para aplicar as taxas gerais. Porque o que conta para calcular o IRS final são essas tabelas progressivas. E aí não há mudanças nem nas taxas, nem nos limiares dos sete escalões.
As simulações
Mensalmente, prevê-se que muitos contribuintes sintam um alívio, mas nem todos: nos vencimentos mais altos as taxas de retenção continuam iguais às de 2018 (por exemplo, nos vencimentos brutos de 4000 euros).
Vejam-se alguns casos simulados pela Deloitte para rendimentos mais baixos. Imagine-se um contribuinte casado, a trabalhar por conta de outrem e que tenha um filho, no cenário em que a pessoa com quem está casada também tem rendimentos. Se esse contribuinte ganhar mil euros brutos por mês, vai reter 90 euros de IRS por mês (pagar 110 euros de Segurança Social) e fica com 800 euros líquidos. A diferença em relação ao ano passado é de apenas um euro, ano em que pagava de IRS 91 euros.
Já se ganhar 650 euros brutos por mês, deixa de fazer retenção na fonte e passa a ter disponíveis mais 18,85 euros, ao receber 578,5 euros líquidos em vez de 559,65 euros. Isto acontece porque o Governo determinou os trabalhadores (ou pensionistas) até aos 654 euros de rendimento bruto mensal ficam isentos da retenção, quando no ano passado o desconto mensal se iniciava nos 632 euros.
O que está na origem dessa subida é a actualização do valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS), que por sua vez tem impacto no chamado mínimo de existência, a regra do IRS que determina que nenhum cidadão pode ficar com um rendimento anual líquido abaixo de um determinado valor. Esse tecto é de 9150,96 euros por ano. E é isso que leva o Governo a colocar o início da retenção para os 654 euros, um pouco acima do salário mínimo mensal (600 euros) e da remuneração base mínima na função pública (635 euros).
Os 654 euros são o valor que serve de referência, mas o início da retenção pode ser diferente em função da situação familiar dos contribuintes (casados, solteiros, com ou sem filhos), da origem dos seus rendimentos e da existência ou não de situações de deficiência.
Por exemplo, um contribuinte casado que ganha até 683 euros (e cujo cônjuge também aufere rendimentos) ainda está isento de retenção se tiver filhos, mas se não tiver dependentes é-lhe aplicada uma retenção de 0,2%.
Pensionistas com dependentes
Entre pensionistas, haverá pessoas com um rendimento de mil euros que podem não sentir qualquer diferença – aqui dependerá caso a caso, e uma diferença de 40 euros no rendimento bruto pode ditar se há alívio ou não.
No caso das pensões, afirma o fiscalista Luís Leon, o Governo limitou-se a fazer as actualizações de forma a acautelar que os pensionistas aumentados este ano não sobem de escalão de retenção mensal, mas não fez nas pensões aquilo que fez com os rendimentos dos trabalhadores por conta de outrem, ou seja, reduzir a retenção mensal.
Embora publicadas a meio de Janeiro, as tabelas têm efeitos retroactivos ao início do mês. Assim, os rendimentos processados no decurso do mês de Janeiro e cuja retenção na fonte aplicada foi a do ano passado terão de ser corrigidos até ao final de Fevereiro. É o que acontecerá, por exemplo, com as pensões que foram pagas no início de Janeiro e que, em alguns casos, deixaram os pensionistas surpreendidos por lhes ter sido transferido um valor inferior ao que recebiam em 2018.
As novas tabelas vêm ainda corrigir as situações em que a retenção na fonte deixava os contribuintes com rendimento líquido disponível anual inferior ao mínimo de existência. Também passam a ter em consideração a situação dos pensionistas com dependentes a cargo. Os reformados nesta situação, ao contrário dos contribuintes titulares de trabalho dependente, não viam considerada nas tabelas de retenção esta realidade. Agora, é introduzido um factor de correcção de 0,5 pontos percentuais por cada dependente, ou seja, a taxa de retenção será aliviada.