Descarrilamento em Coimbra: relatório aponta falhas da Infraestruturas de Portugal na manutenção

Descarrilamento de nove vagões fez avultados estragos na linha do Norte num local que tinha sido alvo de obras de manutenção. Peritos dizem que os trabalhos foram mal executados.

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Acidente ocorreu no primeiro fim-de-semana de Abril de 2017 LUSA/PAULO NOVAIS

No dia 1 de Abril de 2017, pelas 18h07, nove vagões de um comboio de mercadorias carregado de cimento descarrilaram entre as estações de Souselas e Coimbra B, perto de apeadeiro da Adémia.

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No dia 1 de Abril de 2017, pelas 18h07, nove vagões de um comboio de mercadorias carregado de cimento descarrilaram entre as estações de Souselas e Coimbra B, perto de apeadeiro da Adémia.

O acidente, que não fez vítimas, foi um dos mais aparatosos dos últimos anos e provocou avultados estragos na linha do Norte, não tendo redundado numa tragédia porque naquele momento não vinha nenhum comboio de passageiros em sentido contrário.

O relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) diz que o descarrilamento ocorreu numa zona da via com uma acentuada anomalia “resultando em valores de parâmetros geométricos excedendo os limites admitidos para a circulação de comboios”. Essa anomalia, dizem os peritos, resultou de “uma intervenção de manutenção realizada no dia anterior ao descarrilamento, uma vez que foi constatado que os referidos trabalhos não foram executados e verificados de forma adequada a garantir a qualidade da intervenção”.

O relatório aponta falhas grosseiras à equipa que, no terreno, procedeu às obras de manutenção, nomeadamente o facto de não ter realizado medidas aos parâmetros geométricos da linha, nem antes nem depois do trabalho realizado. Ao invés de cumprir com as disposições regulamentares que obrigam à medição do nivelamento transversal e longitudinal da via, a equipa limitou-se a uma vistoria a olho nu, tendo dado os trabalhos por concluídos sem quaisquer garantias de que a linha estava operacional. Um amadorismo invulgar no sector ferroviário, que acabaria por ter consequências materiais graves.

“As evidências recolhidas comprovam que não foram efectuados quaisquer tipos de medições que permitissem caracterizar a situação da anomalia verificada no início dos trabalhos e que, no final, por um lado permitissem evidenciar a forma como foi perceptível à equipa que o objectivo dos trabalhos que realizou tinha sido alcançado, e por outro permitissem ao dono de obra aceitar o trabalho como bom”, diz o documento. Que conclui: “portanto, não foi seguido o estipulado quanto às medições dos parâmetros geométricos de via definidos na IT.VIA.018 [regulamentação sobre os parâmetros geométricos de via], conducente à recepção sem restrições dos trabalhos efectuados”.

As obras foram feitas por um empreiteiro ao serviço da Infraestruturas de Portugal, cujo pessoal, segundo o relatório indicia, não tinha a formação necessária para executar aqueles trabalhos. Os peritos dizem que “o facto de não ter sido observada a passagem de um comboio sobre o troço intervencionado não permitiu à empresa prestadora de serviço nem ao gestor da infra-estrutura verificar o comportamento da via”. Por esse motivo, “não era possível haver qualquer tipo de segurança quanto à adequação do trabalho realizado”.

No final da intervenção a via foi dada como boa e o pessoal retirou-se do local, não tendo sido implementada qualquer redução de velocidade para os comboios que passavam naquele troço.

O relatório conclui que o processo do controlo do trabalho executado pelo empreiteiro ao serviço da Infraestruturas de Portugal “não teve a robustez necessária para evitar a deficiente fiscalização que existiu sobre a execução dos trabalhos realizados no local”.

O GPIAAF sublinha que as investigações realizadas por esta entidade têm como objectivo a melhoria da segurança do transporte ferroviário, “não se destinando nem sendo conduzidas com vista ao apuramento de culpas ou à determinação de responsabilidades”. Mas faz recomendações ao IMT (que é também autoridade de segurança ferroviária) e à Infraestruturas de Portugal para que se melhorem procedimentos relacionados com o trabalho executado pelos prestadores de serviços.

Nos últimos anos a Infraestruturas de Portugal (antiga Refer) viu sair muitos quadros ferroviários experientes que não foram substituídos perdendo assim um know how que não tem paralelo nas empresas de serviços a quem a empresa tem recorrido para fazer a manutenção das vias férreas. Daí que o que relatório do GPIAAF recomende à Infraestruturas de Portugal “auditorias internas para efeito de monitorização e melhoria contínua de processos”, bem como análises de risco dos processos associados à manutenção.

O documento refere ainda que, logo após o acidente, a Infraestruturas de Portugal adoptou medidas que vão ao encontro destas recomendações, que compete agora ao IMT acompanhar. Sobre este último, diz que “apesar de [o IMT] há vários anos vir a planear realizar auditorias de supervisão aos sistemas de gestão da segurança do gestor da infraestrutura e de outras empresas ferroviárias, estas têm sido adiadas sucessivamente por falta de meios para o efeito”.