O valor dos nossos dados
Vivemos na era da economia de vigilância, onde todos os nossos dados são vigiados e controlados.
A preocupação com a privacidade e a segurança dos dados está cada vez mais na ordem do dia. No entanto, o negócio dos dados não para de crescer numa economia que nos vigia e controla diariamente.
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A preocupação com a privacidade e a segurança dos dados está cada vez mais na ordem do dia. No entanto, o negócio dos dados não para de crescer numa economia que nos vigia e controla diariamente.
Sempre que utilizamos um dispositivo ligado à internet, estamos a expor os nossos dados. À primeira vista, a maior parte deles são inócuos, e por essa razão não atribuímos grande importância. A introdução do novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), além de garantir uma maior privacidade e proteção de dados pessoais, ajudou também a consciencializar os utilizadores para o valor e importância dos seus dados.
Contudo, e apenas alguns meses volvidos, já clicamos novamente em “aceitar cookies” de forma instintiva para melhor vermos o conteúdo de um sítio web, ou concordamos com dezenas de alíneas relacionadas com a privacidade e partilha dos nossos dados, na instalação de uma aplicação ou no registo de uma nova conta de utilizador. Todos o fazemos. Alguns, de forma mais consciente, outros sem saber o que está por detrás deste consentimento. Anuímos a esta partilha de dados como sendo um processo normal do sistema que utilizamos diariamente.
A tecnologia, porém, está atualmente muito mais avançada do que simples cookies que guardam uma pesquisa que efetuamos no Google sobre um determinado produto, e que nos persegue com anúncios a esse mesmo produto por toda a internet. A navegação na internet em smartphones é hoje em dia superior (58%) ao computador, o que permite aos fabricantes de telemóveis e empresas associadas, aceder a um conjunto de dados muito mais pessoais de milhões de pessoas, como são as impressões digitais, dados de identificação facial, ou brevemente dados de reconhecimento da íris, e utilizá-los da forma como assim o entenderem.
Para além da partilha destes dados biométricos, muitos outros dados, como por exemplo: a localização, partilha de locais/espaços com outros utilizadores, informação de percursos percorridos, movimentos, comportamentos, hábitos de deslocação, preferências diversas, e mesmo dados da nossa saúde, são também recolhidos por smartphones, smartwatches e outras “coisas” ligadas à internet, nesta era da IoT (Internet of things).
A maioria dos modelos de negócio na web têm, também por objetivo, recolher o máximo possível de dados dos utilizadores, persuadindo, premiando ou penalizando o acesso a funcionalidades de aplicações ou sítios webs, para recolherem assim mais dados e utilizarem-nos em benefício próprio ou mesmo vendê-los. E, estes dados têm hoje em dia um valor cada vez maior. A ciência de dados permitiu que estes tivessem uma importância e uma relevância superior, permitindo às empresas perceberem melhor os seus clientes, os seus hábitos e preferências.
A economia de vigilância
Vivemos na era da economia de vigilância, onde todos os nossos dados são vigiados e controlados. No livro Dragnet Nation: A Quest for Privacy, Security, and Freedom in a World of Relentless Surveillance, Julia Angwin, mostra como toda a informação que trocamos e possuímos, é recolhida e controlada na economia, sendo o nosso comportamento enquanto consumidores e cidadãos, controlado por essa análise de vigilância feita por algoritmos de grande volume de dados (big data).
Parte do sucesso desta economia de vigilância, está relacionada com o facto de que existe sempre um benefício na partilha de informações pessoais. É quase sempre oferecido algo em troca dos nossos dados, seja o acesso a um conteúdo, à personalização de uma experiência, ou à utilização completa de um serviço. É este o valor que estamos a atribuir atualmente aos nossos dados pessoais — o valor de um pequeno brinde.
Contudo, o real valor dos nossos dados está sim indexado à informação que os sistemas e algoritmos de big data da ciência de dados, deles conseguem extrair. Estas técnicas têm evoluído substancialmente na última década, e os algoritmos de machine learning e de inteligência artificial conseguem traçar perfis dos utilizadores, e efetuar previsões bastante precisas do comportamento dos clientes, utilizando apenas dados casuais e aleatórios da navegação web. O negócio dos dados continua a crescer progressivamente. A International Data Corporation (IDC), uma das principais empresas na área do market intelligence, estima que o negócio a nível global da análise de dados passará de 130 mil milhões em 2016, para cerca de 200 mil milhões já em 2020.
Apesar do benefício comercial que muitas empresas conseguem extrair da análise de dados, são também inegáveis os benefícios que estas técnicas têm na área da investigação científica e na medicina, bem como na evolução dos serviços prestados por muitas organizações. No entanto, em grande parte das situações, nós somos “o produto” a ser vendido. A discussão sobre o valor e o custo da partilha dos nossos dados pessoais deve ser feita.
A curto e a médio prazo, o maior problema da proteção e da privacidade dos dados não está apenas relacionado com o seu valor económico. O grande perigo é o de interiorizarmos e aceitarmos que a vigilância constante dos dados é o novo normal, e começarmos a autocensurar os nossos comportamentos, hábitos e conversas, perdendo a nossa liberdade individual.