Com o que sonham os robôs?
Estamos a assistir ao início do fim do trabalho? Irá o mundo do trabalho assistir a um robocalipse?
Num contexto em que as máquinas se confundem com os humanos, o escritor Philip K. Dick perguntava se Os Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?. A pergunta titulou um livro, que originou um filme, e a história do cinema ganhou mais um marco. Blade Runner foi essa transposição para o grande ecrã e a versão do Director’s Cut de Ridley Scott marcou indelevelmente o adolescente que eu era na altura.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Num contexto em que as máquinas se confundem com os humanos, o escritor Philip K. Dick perguntava se Os Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?. A pergunta titulou um livro, que originou um filme, e a história do cinema ganhou mais um marco. Blade Runner foi essa transposição para o grande ecrã e a versão do Director’s Cut de Ridley Scott marcou indelevelmente o adolescente que eu era na altura.
O interesse pela inteligência artificial (IA) ficou e quando chegou o momento de escolher o estágio final da licenciatura surgiu uma possibilidade pouco ortodoxa à época, mas que agarrei sem hesitar: participar num projeto de IA que pretendia criar um robô capaz de interagir com seres humanos, aprender e tomar decisões baseadas nessa aprendizagem. Corria o ano de 2002 e a tecnologia estava longe das possibilidades que atualmente existem. Não tínhamos capacidade de processamento de informação em tempo real, nem bancos de dados que permitissem servir de base para a construção do conhecimento. A utopia do passado já não está tão longe assim.
O salto tecnológico dos últimos anos tornou mais ténue a barreira entre a realidade e a ficção científica. Podemos ainda não ter androides que se confundem com seres humanos, mas os robôs e a inteligência artificial entraram em força nas nossas vidas. Da indústria aos serviços, da saúde às relações sociais, há uma transformação em curso que promete abalar o mundo tal como o conhecemos.
O recente estudo da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) afirma que o processo de robotização e digitalização da economia portuguesa poderá colocar em risco cerca de um milhão e 100 mil postos de trabalho até 2030. Os setores mais afetados por esta destruição de emprego são os da indústria transformadora e do comércio. Apesar de novos postos de trabalho poderem surgir noutras áreas, como a saúde, assistência social, ciência, entre outras, só no cenário mais otimista é que o número de postos de trabalho criados se equipara com o do emprego destruído. Estamos a assistir ao início do fim do trabalho? Irá o mundo do trabalho assistir a um robocalipse?
Não me parece que seja plausível a eliminação do fator humano nos processos de produção ou de criação de valor na economia. Contudo, é inevitável que existam alterações nas competências necessárias, na organização do trabalho e na forma de o distribuir. Os impactos destas alterações na organização das nossas sociedades obrigam a respostas ponderadas, mas urgentes.
É inegável que temos de preparar alterações profundas perante uma menor necessidade de mão de obra. Na abordagem a este problema, discordo da criação de um Rendimento Básico Incondicional (RBI), que aceita uma indemnização permanente pelo afastamento das pessoas do mundo do trabalho. Defendo o oposto, menor necessidade de mão de obra obriga a uma maior partilha do trabalho, o que pode facilmente ser conseguido pela redução dos horários diários, valorizando direitos e garantindo salários. Mais tecnologia significará, assim, mais tempo para as nossas vidas, incluindo para mais formação ao longo da vida.
Outra discussão essencial é a da partilha da riqueza gerada pelo avanço tecnológico. O paradigma da Segurança Social precisa necessariamente de mudar. O atual modelo que depende da riqueza distribuída sob a forma de salário e em recompensa de trabalho humano é insuficiente para o médio e longo prazos. O financiamento dos sistemas de previdência deverá passar também pela tributação do valor acrescentado bruto das empresas, garantindo que o avanço tecnológico não cria buracos nas contas. É necessário, portanto, repensar urgentemente a fiscalidade, garantindo uma justiça fiscal duradoura.
Nesta corrida pela tecnologia, a nossa economia está confrontada com o fantasma que a persegue há décadas: falta de investimento. Este é um elemento chave nesta transição, em que privados e Estado estão a falhar. Investimento que é financeiro, mas não só: tem de ser em conhecimento e na educação, em redes de colaboração para inovação, na reconversão de processos de produção, na partilha de experiências e na valorização do trabalho. Isso significa olhar para além do paroquialismo reinante do lucro imediato, o futuro não espera por nós.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico