Pois então dancemos!
Canções mais incisivas, letras sintéticas e ideias esparsas, a frequência rítmica (quase) sempre nas 128 BPM — o planeta onde Chaz aterrou é orgulhosamente hedonista. Dancemos, então!
Quem vier no (agri-)doce embalo de Boo Boo (trabalho aqui largamente gabado), poderá apanhar uma surpresa, um estremecimento, no momento em que apertar o play de Outer Peace: batida acelerada, vigorosa, quase tecno, electrónica de dança para celebrar o momento presente. Sensação de estranheza, novidade, que só se matiza quando os sintetizadores irrompem pelo ar, lado a lado com o baixo e a voz de Chaz. Chegarão depois, já a fechar, aqueles borbulhares acid (um dia descobertos na clássica Roland TB-303), em mais uma demonstração de que o que sobretudo interessa a Chaz é pegar nas ferramentas clássicas da electrónica para, em alternativa a caminhos mais obscuros e violentos, rejubilar antes com a vida, o amor, os sentidos (“I can’t hear you, maybe you could change your tone / People tend to listen when they see your soul”, em Freelance). A percussão de laivos tribais que encerra Fading, essa primeira canção do alinhamento, dará, então, o mote para Ordinary Pleasure (a batucada inicial parece saída de uma daquelas malhas dos primeiros discos dos The Last Poets), que prolongará, juntamente com a faixa seguinte (Laws of The Universe), a matriz house de todo o disco. French, deep, funky: enfim, house de Paris a Chicago e Detroit, dos Daft Punk a Frankie Knuckles, dos AIR a Larry Heard, dos Cassius a Moodymann.
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Quem vier no (agri-)doce embalo de Boo Boo (trabalho aqui largamente gabado), poderá apanhar uma surpresa, um estremecimento, no momento em que apertar o play de Outer Peace: batida acelerada, vigorosa, quase tecno, electrónica de dança para celebrar o momento presente. Sensação de estranheza, novidade, que só se matiza quando os sintetizadores irrompem pelo ar, lado a lado com o baixo e a voz de Chaz. Chegarão depois, já a fechar, aqueles borbulhares acid (um dia descobertos na clássica Roland TB-303), em mais uma demonstração de que o que sobretudo interessa a Chaz é pegar nas ferramentas clássicas da electrónica para, em alternativa a caminhos mais obscuros e violentos, rejubilar antes com a vida, o amor, os sentidos (“I can’t hear you, maybe you could change your tone / People tend to listen when they see your soul”, em Freelance). A percussão de laivos tribais que encerra Fading, essa primeira canção do alinhamento, dará, então, o mote para Ordinary Pleasure (a batucada inicial parece saída de uma daquelas malhas dos primeiros discos dos The Last Poets), que prolongará, juntamente com a faixa seguinte (Laws of The Universe), a matriz house de todo o disco. French, deep, funky: enfim, house de Paris a Chicago e Detroit, dos Daft Punk a Frankie Knuckles, dos AIR a Larry Heard, dos Cassius a Moodymann.
O que essas canções iniciais prometem, juntamente com Baby Drive It Down (You know that I’m bad with the words, Chaz a confiar o volante à parceira em cima de uma belíssima melodia caribenha, derivação tropical do house bem contemporânea), Freelance (single que, tendo anunciado o disco, lhe dá igualmente uma textura electro, pós-punk) e Who Am I (com um certo e inesperado travo a eurodance) é o que esse house dos anos 80/90 — e também dos auspícios dos 2000, sim, mas já em curva crepuscular — postulava. A saber, uma imensa celebração do prazer e da sedução, um tempo, talvez, em que a “música electrónica” ainda tinha uma costela orgulhosamente mainstream, para o club popular, não tendo ainda desaparecido para ceder o lugar ao tecno e ao minimal predominantemente do tipo shoegaze. Entre aqueles dois trios de canções, o ouvinte encontra, porém, um registo assaz diferente, bem mais próximo do R&B e do trap actuais, realidade que se repetirá depois ao cair do pano. Donde a busca pela “contemporaneidade” de que falou Chaz para este disco, se pode ser compreendida no sentido em que o próprio house está hoje num certo processo de retoma enquanto música popular, é palpável, sobretudo, em canções como Miss Me (voz de ABRA), New House (título irónico numa das poucas canções não devedoras do house enquanto género), Monte Carlo e 50-50. Assim se evidenciando uma curva rítmica bem demarcada no alinhamento do disco, o qual alterna, por duas vezes, entre “altos e baixos”, aceleração e vagareza, efusão e melancolia.
Num outro plano, e a propósito das transformações que o hip-hop tem vindo a sofrer nos últimos anos, por aqui temos defendido a ideia de que o trap (sub-género), em si mesmo, nenhum “pecado original” carrega, tudo dependendo das palavras, tons, emoções que se coloquem por cima da sua fórmula sónica mais padronizada. Pois bem, aí estão Monte Carlo e 50-50 (que podiam ser dois andamentos da mesma canção) para o provar, percussões “drogadas”, opiáceas (até com um certo eco “emo”) — inclusivamente acompanhadas do famigerado Auto-Tune —, que Chaz vai perfumando com versos do seu sensualista, ultra-romântico, universo: “For a second I forgot who I was / For a minute I was over you / For that year I was looking down / Someone hold me down, down with the truth / Die for my love, die for my grind / 50-50 fail, fuck it, I’ma die flying / Oh satisfying, that’s what the lying / Does for your crying, all of the lying” (agora experimente-se colocar um Future ou uns Migos neste instrumental e a diferença será da água para o. azeite).
Num mundo ideal, Outer Peace sairia directamente das lojas e dos streamings para as pistas por esse mundo fora (e muitas destas canções estão mesmo à espera de extended versions e remisturas) — vejamos (rezemos) se teremos essa sorte.