O Brasil com elas, no fulgor dos 70
Gal Costa e Joyce Moreno fazem da idade um trunfo. E provam-no em dois discos de inegável talento e frescura.
Passado o marco dos 70 anos de vida e 50 de carreira, a repetição ou o cansaço são perigos reais. Mas as brasileiras Gal Costa (73 anos) e Joyce Moreno (que este mês faz 71) têm-lhes escapado, com arte e perseverança, como provam os seus trabalhos dos anos mais recentes. Chegam agora os seus últimos discos, que Joyce mostrou ao vivo em Espinho, em Dezembro, e que Gal vem apresentar agora (dia 23 no Porto, Casa da Música, e 25 no Coliseu de Lisboa), e ambos confirmam o bom rumo seguido.
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Passado o marco dos 70 anos de vida e 50 de carreira, a repetição ou o cansaço são perigos reais. Mas as brasileiras Gal Costa (73 anos) e Joyce Moreno (que este mês faz 71) têm-lhes escapado, com arte e perseverança, como provam os seus trabalhos dos anos mais recentes. Chegam agora os seus últimos discos, que Joyce mostrou ao vivo em Espinho, em Dezembro, e que Gal vem apresentar agora (dia 23 no Porto, Casa da Música, e 25 no Coliseu de Lisboa), e ambos confirmam o bom rumo seguido.
Gal, que antes gravara dois discos superlativos, o genial Recanto (2011, idealizado e produzido por Caetano Veloso) e o excelente Estratosférica (2015, com produção de Kassin e Moreno), não chega ao mesmo nível em A Pele do Futuro, com direcção musical de Pupillo (ex-Nação Zumbi). Se antes a aventura passara pela electrónica e por uma revisão do rock, aqui a experiência anda em torno do disco-sound que tanto alegrou ou infernizou (conforme a perspectiva) milhões de vidas nos anos 1970-80. Mas nem tudo é ritmo, há baladas (como o sofrido Livre do amor, de Adriana Calcanhotto, ou Minha mãe, de César Lacerda e Jorge Mautner, num dueto com Maria Bethânia), reggae ou até blues, com destaque para Viagem passageira, de Gilberto Gil, Cabelos e unhas, de Moska e Breno Góes, Dentro da lei, de Djavan e Mãe de todas as vozes, de Nando Reis. O fecho, de novo colado ao disco, é um muito bem conseguido Abre-alas do Verão, inspirada parceria de Erasmo Carlos com o rapper Emicida (cujo insistente riff lembra, no entanto, o velho êxito internacional Black is black, dos espanhóis Los Bravos).
Já o disco de Joyce é uma aventura arriscada: a regravação integral do seu disco de estreia, Joyce, de 1968, com 2 extras. Curiosamente, a soma de 68+2 dá 70, idade de Joyce ao regravá-lo. Mas o disco chama-se 50 porque entre o original e a regravação passou-se meio século. Podia ser uma charada, mas é um desafio, e vencido: a cantora madura mede forças com a jovem que foi, não perdendo em brilho na interpretação e ganhando em expressividade, desenvoltura e swing onde havia sobretudo uma voz e uma vontade juvenil de se impor, com composições próprias e muito boas contribuições alheias (Marcos Valle, Ruy Guerra, Paulinho da Viola, Jards Macalé, Caetano Veloso, Toninho Horta e Ronaldo Bastos). Agora Joyce chamou, para tocarem consigo, além da banda habitual (da qual faz parte o seu marido de há quase 40 anos, Tutty Moreno), Marcos Valle, André Mehmari, Roberto Menescal, Toninho Horta, Francis Hime ou Danilo Caymmi, dando novas bossas à bossa antiga. Nos extras, o olhar sobre o enfrentamento das “duas” Joyces afina-se em Com o tempo (parceria musical e vocal com Zélia Duncan) e sobretudo A velha maluca, onde a Joyce Moreno de hoje se retrata com humor e engenho, sem lamentos pela idade: “No dia em que ficou velha/ A moça ficou contente”.
Por absoluta coincidência, os discos de Gal e da Joyce abrem com temas sobre o amor independente. Joyce escreveu aos 19 anos e agora canta, aos 70: “Eu te quero pro resto da vida/ mas nessa medida [o casamento] não me convém” (Não muda não). E Gal canta “Viver comigo vive sim/ mas também vive sem mim”, em Sublime, escrita por Dani Black. Só que Dani escreveu estas palavras aos 30 anos e Joyce escreveu-as há meio século, com menos dez anos do que ele.
Prova de que há coisas que não envelhecem, tal como há envelhecimentos que mantêm acesa a juventude. E estes são dois bons exemplos.