O que acontece no cérebro numa resposta inata aos cheiros?
Equipa de investigadores do Centro Champalimaud confirmou a função de uma região do cérebro, o corno lateral, na resposta inata aos cheiros usando o modelo da mosca-da-fruta e explorando a sua conhecida aversão ao cheiro do CO2
Reagir a um cheiro pode ser determinante para a sobrevivência. O princípio aplica-se a todas as espécies que usam o olfacto para diferentes tarefas desde encontrar alimentos a identificar um predador que devem evitar. Falamos de respostas que podem ser apreendidas ou inatas. Uma equipa do Centro Champalimaud quis ajudar a mapear o circuito neuronal das respostas inatas e realizou uma série de experiências com a mosca-da-fruta. No artigo publicado na revista PLoS Biology confirma-se que há uma região especificamente ligada a este lado inato do sistema olfactivo (o corno lateral) e que há grupos de neurónios com funções muito bem definidas.
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Reagir a um cheiro pode ser determinante para a sobrevivência. O princípio aplica-se a todas as espécies que usam o olfacto para diferentes tarefas desde encontrar alimentos a identificar um predador que devem evitar. Falamos de respostas que podem ser apreendidas ou inatas. Uma equipa do Centro Champalimaud quis ajudar a mapear o circuito neuronal das respostas inatas e realizou uma série de experiências com a mosca-da-fruta. No artigo publicado na revista PLoS Biology confirma-se que há uma região especificamente ligada a este lado inato do sistema olfactivo (o corno lateral) e que há grupos de neurónios com funções muito bem definidas.
“As respostas inatas estão relacionadas com a sobrevivência do indivíduo e a manutenção da espécie, que têm um papel ainda mal definido nos humanos. Sabe-se muito pouco do funcionamento dessa estrutura. Usando a mosca-da-fruta, percebemos que há certos princípios que assumíamos e que parecem que não se confirmam”, diz ao PÚBLICO Maria Luísa Vasconcelos, investigadora principal do Laboratório do Comportamento Inato do Centro Champalimaud investigadora ao PÚBLICO. O estudo que usou a mosca-da-fruta e a sua conhecida aversão ao CO2 trouxe algumas surpresas. “Tinha-se a ideia de que no processamento inato tudo o que era repulsivo era processado numa certa zona, o que era atraente noutra e tudo o que era relacionado com a reprodução noutra área ainda. E que nem era preciso identificar o odor. Vemos neste trabalho que isso não é verdade”, exemplifica a investigadora.
Os cientistas centraram-se na função de uma estrutura cerebral, chamada corno lateral (CL), e que já se suspeitava de que estava envolvida no sistema olfactivo da mosca, que é semelhante ao dos vertebrados. O CL, explica o comunicado de imprensa, “recebe informação do lóbulo antenal que, por sua vez, recebe estímulos sensoriais dos neurónios receptores olfactivos, localizados nas antenas”. As antenas, acrescenta Maria Luísa Vasconcelos citada neste comunicado, são “o nariz da mosca”. Existe ainda uma região denominada “corpo cogumelo” que estará mais associada às respostas aprendidas.
Nos mamíferos, explicou ainda a investigadora ao PÚBLICO, as estruturas cerebrais equivalentes seriam “uma parte da amígdala e o bulbo olfactivo para as respostas inatas e o córtex periforme para as respostas por associação ou aprendidas”.
A primeira fotografia do circuito
Além da região cerebral onde podiam encontrar a resposta inata aos cheiros, os investigadores quiserem identificar os neurónios que “participam” na reacção de uma aversão específica e, para isso, escolheram a repulsa que as moscas-da-fruta manifestam em relação ao cheiro do dióxido de carbono. “Não sabemos porque o CO2 provoca uma tal aversão”, refere Maria Luísa Vasconcelos, “mas uma explicação poderá ser o facto de as moscas, quando estão stressadas, libertarem CO2”.
Para este trabalho foram criados 32 grupos diferentes de moscas geneticamente alteradas. Em cada um dos grupos, os investigadores desactivaram um determinado tipo de neurónios. “Para testar o efeito do silenciamento dos diferentes tipos de neurónios na resposta comportamental ao CO2, os cientistas colocaram moscas de cada linha num ‘labirinto em T’ (um corredor que, no fim, bifurca para a esquerda e para a direita). Num dos braços do T libertaram CO2 e no outro ar.” A aversão inata levaria todas as moscas para o local sem CO2, a não ser que os neurónios desactivados desligassem também essa resposta. E, nesse caso, é fácil de concluir que esses neurónios desempenhavam um papel específico nesta reacção inata.
Ora, a equipa não descobriu um tipo de neurónios, mas dois. Em duas das linhas de moscas geneticamente modificadas a aversão inata ao CO2 desapareceu. E convém sublinhar que foram realizados testes com outros cheiros comprovando-se que estes neurónios parecem estar associados apenas à aversão ao CO2. “Pensávamos que o seu silenciamento causaria a perda dos comportamentos olfactivos de aversão em geral, mas quando testámos outros cheiros não observámos qualquer alteração no comportamento de aversão das moscas a esses outros cheiros. Também testámos esses neurónios com cheiros atraentes e, mais uma vez, o seu silenciamento não provocou nenhuma alteração comportamental”, refere Maria Luísa Vasconcelos. Para complicar ainda mais, a equipa percebeu que nestes dois conjuntos independentes de neurónios um deles tinha ligações nervosas locais e o outro tinha ligações para fora da estrutura do CL. O estudo mostrou ainda, nota a investigadora, que “há uma convergência que vem da parte inata e da parte aprendida” numa outra estrutura no cérebro das moscas.
“O fluxo de informação olfactiva vindo das antenas começava por ser processado pelos neurónios que se projectavam para fora do CL e só depois pelos neurónios com ligações somente locais.” E, assim, conseguiu-se “uma primeira ‘fotografia’ do circuito neuronal subjacente à resposta de aversão ao CO2”, conclui o comunicado.
Este primeiro passo sobre o papel do corno lateral numa resposta comportamental inata pode ser importante para outros estudos. No artigo, levanta-se desde já a hipótese sobre se, tal como acontece com o CO2, existem neurónios que “servem” especificamente para outros cheiros? Maria Luísa Vasconcelos antecipa o desafio: “Existem 1300 neurónios no CL da mosca-da-fruta, o que é muito para uma mosca. As coisas são mais complexas do que pensávamos.” Mais ainda se o alvo for o cérebro humano, onde encontramos dez mil vezes mais neurónios.