O que nos diz a cauda dos ratinhos sobre o desenvolvimento embrionário?
Cientistas conseguiram alterar o tamanho normal da cauda de ratinhos, um resultado que pode ser importante para a compreensão de outros processos como metástases.
Ao estudarem o desenvolvimento de ratinhos, duas equipas diferentes de cientistas (uma delas do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras) conseguiram alterar o tamanho normal da cauda destes roedores, fazendo com que ficassem com mais ou menos vértebras. Nos resultados publicados esta semana em dois artigos científicos na revista Developmental Cell, ambas as equipas chegam à conclusão de que as suas descobertas estão relacionadas com o mesmo gene: o Lin28.
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Ao estudarem o desenvolvimento de ratinhos, duas equipas diferentes de cientistas (uma delas do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras) conseguiram alterar o tamanho normal da cauda destes roedores, fazendo com que ficassem com mais ou menos vértebras. Nos resultados publicados esta semana em dois artigos científicos na revista Developmental Cell, ambas as equipas chegam à conclusão de que as suas descobertas estão relacionadas com o mesmo gene: o Lin28.
O trabalho da equipa em Portugal, liderada por Moisés Mallo, do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), identificou um conjunto de genes que determina o tamanho da cauda dos ratinhos. “Os nossos resultados desvendam uma rede genética que envolve os genes Gdf11, Lin28 e o Hox13, que controla a actividade dos progenitores axiais [células precursoras] num apêndice na parte posterior do embrião”, lê-se no artigo científico.
Desmontemos então essa rede. Para tal, é necessário ter em conta que o desenvolvimento do corpo dos vertebrados se faz progressivamente ao longo de um eixo antero-posterior, que se inicia na cabeça e termina na cauda. “O elemento-chave para que este desenvolvimento aconteça com normalidade são umas células precursoras que originam de forma ordenada todos os tecidos e órgãos do nosso corpo”, refere-se num comunicado do IGC, acrescentando que a sincronização dos genes neste processo é fundamental.
Ora, a equipa do IGC percebeu que é a ocorrência de mudanças nos genes que regulam a actividade dessas células precursoras que desencadeia o desenvolvimento dessas estruturas, órgãos no tronco e cauda. Concretamente, verificou-se que o comprimento da cauda é regulado por um equilíbrio de forças entre o gene Lin28 (conhecido por ter um papel na regulação do tamanho do corpo e que promove o crescimento das células precursoras da cauda) e o gene Hox13 (que pára a expansão dessas células).
Durante as experiências, quando se aumentava a actividade do Lin28 nos progenitores axiais, os ratinhos (que têm normalmente uma cauda com 31 vértebras) ficavam com caudas maiores do que o normal (entre 36 e 38 vértebras). Mas, quando se estimulava a actividade do Hox13, os ratinhos ficavam com caudas mais pequenas (com poucas vértebras ou até nenhumas), de acordo com o comunicado. Este equilíbrio é ainda regulado pelo gene Gdf11 (conhecido por estar envolvido na formação da cauda durante o desenvolvimento embrionário).
“Isto pode também ter acontecido de forma natural durante a evolução dos vertebrados em resposta a factores de selecção natural para melhor adaptação ao seu meio, o que resultou em animais com caudas diferentes (ou sem cauda como os humanos)”, indica Moisés Mallo. “As modificações no sistema durante a evolução foram coordenadas – caso contrário, simplesmente seriam eliminadas por selecção natural. No entanto, diferentes factores podem alterar a actividade dos genes que regulam o crescimento da cauda de forma anómala ou descoordenada, o que pode resultar em malformações congénitas como teratomas sacrococcígeos.”
Aumento de vértebras
Já a equipa de Daisy Robinton – da Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, e principal autora do segundo trabalho – estava a criar modelos de ratinhos com o gene Lin28 (porque também é promotor de cancro) e reparou (surpreendentemente) que esses animais ficaram com caudas maiores do que o normal. “Tinham mais vértebras”, frisa George Daley, também da Faculdade de Medicina de Harvard e autor do trabalho.
“Nos nossos modelos genéticos, observámos que havia um aumento de 20 a 22% no número de vértebras na cauda, o que é mais do que 3 a 5% da variação que existe naturalmente numa espécie”, indica Daisy Robinton ao PÚBLICO.
Verificou-se que isto acontecia devido à hiperexpressão de um par de genes distintos que deriva do mesmo gene ancestral: o Lin28a e o LIN28B, que controlam a identificação e a auto-renovação das células estaminais embrionárias, são importantes no desenvolvimento e crescimento e podem estar envolvidos em diferentes tipos de cancro. Agora percebeu-se que são eles que fazem aumentar o número de vértebras na cauda. Viu-se ainda que a perda do Lin28a (mas não do LIN28B) reduz o número de vértebras formadas na cauda.
Em ambos os trabalhos, também se refere a importância do desenvolvimento dos somitos, blocos de tecido embrionário que dão origem a estruturas importantes relacionadas com a formação das vértebras. De acordo com um comunicado de grupo Cell Press, que edita a revista Developmental Cell, durante o desenvolvimento dos mamíferos, os somitos estabelecem-se sequencialmente ao longo do eixo do corpo e o Lin28 tem um papel na regulação do tempo deste processo.
“Para mim, uma das descobertas mais importantes do nosso trabalho é que o grupo de células precursoras, que forma tanto os somitos como a espinal medula, é regulado por redes genéticas diferentes em fases consecutivas do desenvolvimento”, considera Moisés Mallo. “Este resultado possivelmente tem relevância em processos patológicos como a iniciação de metástases.”
Já Daisy Robinton considera que o seu estudo é importante para perceber a diversidade animal e como a forma e o crescimento do corpo são, em parte, controladas por estes genes. “Até agora, sabia-se pouco sobre o controlo do comprimento [da cauda] e de como a manipulação genética pode ter impacto na morfogénese.”
Em próximos trabalhos, a equipa de Daisy Robinton gostaria de perceber se estes genes actuam da mesma forma noutros órgãos. E a equipa de Moisés Mallo vai procurar desvendar mais detalhes moleculares sobre este processo. Tudo porque a cauda dos ratinhos já nos disse muito sobre o desenvolvimento embrionário.