Quem vai ganhar a batalha final do Brexit?
Tendo sobrevivido ao voto de censura, resta saber como Theresa May desatará o nó político de Brexit.
1. Como todos os que têm acompanhado de perto o processo de negociações do Brexit, estou com grande expectativa quanto ao seu resultado final. Face às inúmeras variáveis da política interna britânica e da política da União Europeia, que se interligam aqui de forma bem complexa, as incertezas continuam a ser muitas. Neste contexto, tentar perceber o rumo do processo e efectuar previsões é um exercício particularmente falível.
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1. Como todos os que têm acompanhado de perto o processo de negociações do Brexit, estou com grande expectativa quanto ao seu resultado final. Face às inúmeras variáveis da política interna britânica e da política da União Europeia, que se interligam aqui de forma bem complexa, as incertezas continuam a ser muitas. Neste contexto, tentar perceber o rumo do processo e efectuar previsões é um exercício particularmente falível.
Em qualquer caso, é analiticamente útil, nesta altura, traçar alguns cenários sobre a provável evolução política, a partir do ponto em que nos encontramos: a esmagadora rejeição do acordo fechado a 14/11/2018 por Theresa May com a União Europeia, numa votação parlamentar onde teve 432 votos contra e apenas 202 votos a favor. Pior ainda, Theresa May teve mais de uma centena de deputados do seu próprio partido a rejeitá-lo abertamente.
2. Vivemos tempos políticos extraordinários. Paradoxalmente, a derrota de Theresa May — a maior da história parlamentar britânica das últimas décadas — não trouxe, de forma inexorável, o seu fim político, nem a queda do governo dos conservadores, como seria expectável em tempos políticos normais. A subsequente moção de censura interposta por Jeremy Corbyn (Partido Trabalhista), que poderia levar à queda do seu governo e à sua demissão, acabou por ser rejeitada (306 votos a favor e 325 contra).
Assim, o cenário de formação de um novo governo em 14 dias, ou de eleições parlamentares antecipadas — que seria a hipótese mais provável se a moção de censura fosse aprovada —, ficou afastado, pelo menos para já. Eventualmente, essas eleições poderiam trazer a abertura de uma nova via política para solucionar o actual impasse do Brexit. E é necessário quebrá-lo porque no actual contexto britânico ninguém parece ter força política suficiente para impor o seu rumo, nem Theresa May, nem os que se lhe opõem (seja porque querem ficar na União Europeia, seja porque pretendem um Brexit diferente com mais ligação à União Europeia, seja ainda porque estariam dispostos a uma saída sem qualquer acordo.)
3. Theresa May sobreviveu politicamente, mais uma vez. Nesta última votação parlamentar, o Partido Conservador e os seus aliados da Irlanda do Norte (DUP) estiveram unidos na rejeição da moção de censura. Apesar das imensas divergências quanto ao Brexit, como a votação do acordo de 14/11/2018 mostrou de forma brutal há, pelo menos, uma coisa que os une: nenhum deles quer Jeremy Corbyn no poder. Com este rumo dos acontecimentos, Theresa May ganhou novo fôlego político. A sucessão tão próxima de acontecimentos de derrota/vitória permite-lhe virar a página da enorme derrota parlamentar anterior. Ironicamente, estando tão fragilizada, adquiriu, com a moção de censura falhada da oposição, legitimidade adicional e margem de manobra política. Como já notado, conseguiu unir, pelo menos momentaneamente, o seu próprio partido que tem estado em clima de “guerra civil”.
Não é por acaso que Jeremy Corbyn sempre foi vago quanto ao uso da moção de censura. Tinha consciência que se estão não fosse aprovada, como era a hipótese mais provável, acabaria por reforçar politicamente o governo de Theresa May. Provavelmente, só acabou por usá-la dado os números excepcionalmente elevados da derrota parlamentar de Theresa May a 14/1/2019, e, claro, para calar os críticos do seu próprio partido. Muitos trabalhistas não se revêm na sua liderança, nem na sua abordagem ao Brexit. Outros prefeririam um segundo referendo, algo que Jeremy Corbyn também não tem apoiado. Jeremy Corbyn faz, assim, um número de equilibrismo ente estas tendências contraditórias.
4. Tendo sobrevivido ao voto de censura, resta saber como Theresa May desatará o nó político do Brexit. Importa notar que não está a salvo de uma nova moção de censura, dos trabalhistas ou de outro partido da oposição. No entanto, é improvável que esta surja no imediato por razões políticas. Se o Brexit tem divido profundamente os conservadores, a rejeição de Jeremy Corbyn apela à sua união. Quanto ao DUP, os unionistas da Irlanda do Norte, que foram cruciais para afastar a moção de censura ao governo de Theresa May, a última coisa que pretendem mesmo é ver Jeremy Corbyn — com as suas simpatias republicanas pela Irlanda —, instalado no poder como primeiro-ministro. Ao mesmo tempo, o maior trunfo de Theresa May é agora o tempo que, cada vez mais, escasseia.
Estamos a entrar numa fase particularmente crítica do processo. A aproximação de 29 de Março e o espectro de uma saída sem acordo jogam a favor da sua sobrevivência política e do seu plano para o Brexit. Por improvável que possa parecer agora, após a esmagadora rejeição do acordo que esta negociou com a União Europeia — e que muitos, apressadamente, dão já como afastado —, este pode ainda ser recuperado, com modificações de maior ou menor dimensão. Também do lado da União Europeia o nervosismo está a aumentar, apesar da aparência de tranquilidade e coesão. É verdade que, até agora, tem mantido uma notável unidade quanto ao Brexit, mas arrisca-se a abrir brechas com o aproximar da data de saída sem acordo. Há sinais que apontam nesse sentido, nas declarações divergentes de Jean-Claude Juncker, Donald Tusk, ou da Alemanha e da França.
5. Não sei o que Theresa May vai fazer agora, mas esta tem pelo menos um caminho possível para a vitória final na batalha do Brexit. Ao não pedir (no imediato) à União Europeia o alargamento do prazo de saída — e importa relembrar que esse prazo, se nada for feito em contrário, termina a 29 de Março — vai colocar uma pressão política elevadíssima sobre seus opositores, seja dentro do próprio partido, seja fora dele, trabalhistas incluídos. Quanto mais houver aproximação a essa data, menos hipóteses ficam de implementar outras alternativas.
As escolhas possíveis passam então a ser basicamente duas: (i) o seu acordo com a União Europeia, com mais ou menos modificação; (ii) ou uma saída sem acordo, mas esta última tem um apoio muito minoritário na sociedade britânica. Nos próximos três dias Theresa May terá de apresentar novo plano ao parlamento britânico. Talvez o seu plano B, apesar das conversações com as restantes forças políticas, seja mesmo esse: deixar passar o tempo e voltar a apresentar o mesmo acordo que negociou com a União Europeia a 14/11/2018, apenas com algumas modificações (Irlanda do Norte em particular). Muitos dos que votaram contra, mas por motivos muito díspares, face ao tempo a esgotar-se e ao espectro de uma saída sem acordo — problema ao qual não escapam os trabalhistas —, podem então mudar de opinião e de sentido de voto.
Importa notar que, no sistema eleitoral britânico, de círculos uninominais, há uma ligação directa dos deputados aos seus eleitores. Provavelmente estes não perdoariam a irresponsabilidade de um hard Brexit por mero tacticismo político. Mas, com tantas variáveis e incerteza política, o melhor mesmo é wait and see what happens.