Fronteiras: barreiras para as pessoas e refúgios para as empresas
É necessário abolir de forma global as fronteiras de responsabilização das empresas. A sua atuação é mundial, a sua responsabilização também o deve ser.
As fronteiras ainda delimitam nacionalidades, democracias, sistemas judiciais. Mas não limitam a expansão e a atuação das grandes empresas a nível global. Esta grande globalização do comércio permitiu o acesso a produtos, a serviços e à partilha de informação, o que tem permitido aumentar - de forma média - o bem-estar, a paz e a consciência coletiva a nível mundial. Mas esta grande globalização tem também aumentado o fosso da desigualdade entre países, regiões e diferentes populações do mundo. E, sobretudo, o mais dramático é estar a ser feita à custa de violações dos direitos humanos e de crimes ambientais desastrosos, com consequências gravíssimas para comunidades locais e com impunidade quase total para as empresas que os praticam.
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As fronteiras ainda delimitam nacionalidades, democracias, sistemas judiciais. Mas não limitam a expansão e a atuação das grandes empresas a nível global. Esta grande globalização do comércio permitiu o acesso a produtos, a serviços e à partilha de informação, o que tem permitido aumentar - de forma média - o bem-estar, a paz e a consciência coletiva a nível mundial. Mas esta grande globalização tem também aumentado o fosso da desigualdade entre países, regiões e diferentes populações do mundo. E, sobretudo, o mais dramático é estar a ser feita à custa de violações dos direitos humanos e de crimes ambientais desastrosos, com consequências gravíssimas para comunidades locais e com impunidade quase total para as empresas que os praticam.
As fronteiras que delimitam a ação dos governos e dos tribunais nacionais têm permitido que a atuação perniciosa das grandes multinacionais passe incólume e que os seus crimes tenham poucas consequências sejam elas legais ou económicas.
Em 2017, e após forte pressão da sociedade civil, foi aprovado em França o “devoir de vigillance”, contra a impunidade empresarial. Esta legislação pioneira a nível mundial obriga as empresas a precaver os riscos sociais, ambientais e de corrupção da sua atividade e - aqui a parte importante - estende essa obrigação às suas filiais, sucursais e fornecedores em território nacional e no estrangeiro. Na prática, esta legislação permite que, por exemplo, uma comunidade nigeriana afetada avance com um processo, nos tribunais franceses, contra uma multinacional francesa. Assim, as multinacionais francesas deixam de ter fronteiras atrás das quais se consigam refugiar, podendo ser responsabilizadas pelos seus atos em qualquer lugar do planeta. Mas isto não pode funcionar só para empresas francesas.
É necessário abolir de forma global as fronteiras de responsabilização das empresas. A sua atuação é mundial, a sua responsabilização também o deve ser. E, por isso, o Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas está, desde 2014, a trabalhar num projeto de Tratado sobre as Multinacionais e os Direitos Humanos. Este tratado, que se pretende vinculativo, permitirá que as empresas possam ser processadas nos países onde têm a sua sede, evitando que se desresponsabilizem das suas cadeias de fornecedores ou que se deslocalizem para fora dos países que as querem processar.
Os últimos anos têm sido de discussão e de negociação entre as Nações Unidas, os países e a sociedade civil. O maior empenho tem vindo de países da América Central e do Sul e de África. De forma não surpreendente, os maiores entraves têm vindo a ser colocados pela União Europeia e pelos Estados Unidos da América, onde grande parte das multinacionais mundiais estão sedeadas.
Entrámos agora em 2019, o ano de aprovação do Tratado, cujo “rascunho-zero” foi apresentado em julho de 2018. Os próximos meses serão cruciais para o seu sucesso. Com os Estados Unidos na deriva política em que se encontram, o papel da União Europeia nas negociações é essencial. Mas para isso é necessário que a UE seja mais cooperante do que até agora, assuma a postura que França tem tido nas negociações e se afirme como promotora de um comércio verdadeiramente justo e sustentável.
E porque é também o ano das eleições para o Parlamento Europeu, 2019 representa então a oportunidade de alinhar a União Europeia para que o Tratado das Nações Unidas sobre as Multinacionais e os Direitos Humanos seja aprovado e se torne a base do comércio global neste século XXI. O voto em partidos progressistas é para isto essencial. E a mobilização da sociedade civil também.
A nossa democracia, por enquanto, pára nas fronteiras da União Europeia. Mas o nosso voto tem o poder de mudar o mundo. Uma União Europeia mais democrática, progressista, ecológica e humanista é mais um passo na construção de um mundo melhor para todos. Para que as fronteiras deixem de ser barreiras para as pessoas e refúgios para as empresas.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico