EUA e Rússia sem acordo sobre futuro de tratado nuclear
Representante dos EUA reafirma que o país está preparado para sair do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio a 2 de Fevereiro.
O histórico tratado entre os Estados Unidos e a União Soviética para reduzir o número de mísseis nucleares de alcance intermédio, assinado em 1987, deve mesmo ser anulado dentro de duas semanas, disse esta quarta-feira a subsecretária norte-americana da Segurança Internacional e Controlo de Armamento, Andrea Thompson. A declaração foi feita depois de uma reunião entre as duas partes, em Genebra, que terminou sem acordo.
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O histórico tratado entre os Estados Unidos e a União Soviética para reduzir o número de mísseis nucleares de alcance intermédio, assinado em 1987, deve mesmo ser anulado dentro de duas semanas, disse esta quarta-feira a subsecretária norte-americana da Segurança Internacional e Controlo de Armamento, Andrea Thompson. A declaração foi feita depois de uma reunião entre as duas partes, em Genebra, que terminou sem acordo.
A ameaça de saída do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF, na sigla em inglês) foi feita em Outubro do ano passado pelo Presidente norte-americano, Donald Trump.
Há anos que os EUA acusam a Rússia de violar o tratado ao fabricar um míssil com um alcance superior ao definido no acordo. Para além disso, a Casa Branca de Donald Trump considera também que o actual poderio militar da China (que não integra o tratado) faz com que o acordo prejudique os EUA.
Em causa está o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio, assinado por Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov em 1987, e que só vincula os EUA e a Rússia.
No essencial, o tratado levou os dois países a destruir 2692 mísseis de curto e médio alcance (entre 500 km e 5500 km), com capacidade para serem armados com ogivas nucleares, e a comprometerem-se a não fabricar novas versões dessas armas — nem das plataformas móveis que permitem o seu lançamento.
O acordo abrange apenas os mísseis disparados a partir do solo, por terem maior mobilidade e permitirem ataques com menos tempo de aviso. Segundo os EUA, o míssil russo SSC-8 (ou Novator 9M729) tem capacidade para atingir cidades europeias com uma ogiva nuclear em poucos minutos e viola o tratado.
Ultimato em Dezembro
Em Dezembro, durante uma reunião da NATO em Bruxelas, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, acusou oficialmente a Rússia de estar a violar o tratado e lançou um ultimato a Moscovo: ou o país "voltava ao tratado de forma completa e verificável", ou os EUA saíam no dia 2 de Fevereiro de 2019.
Nessa reunião da NATO, os ministros dos Negócios Estrangeiros concordaram em assinar um documento que põe a Rússia em "violação material" do histórico acordo, num sinal de apoio aos EUA. Países como a Alemanha, a Holanda e a Bélgica estão preocupados com a possibilidade do regresso de mísseis norte-americanos à Europa, numa repetição da crise de finais da década de 1970 e inícios de 1980.
Na terça-feira, as delegações dos EUA e da Rússia reuniram-se em Genebra, na Suíça, para tentarem salvar o acordo, mas os norte-americanos dizem que as conversações fracassaram.
"Não conseguimos abrir novos caminhos ontem com a Rússia", disse esta quarta-feira Andrea Thompson. "Com base nas discussões de ontem, e na retórica de hoje, não vemos nenhum sinal de que a Rússia poderia cumprir [o tratado]."
Rússia envolve a Europa
A responsável norte-americana referia-se às declarações desta quarta-feira do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov. No final da reunião, o responsável acusou os representantes dos EUA de chegarem a Genebra com uma posição "assente num ultimato".
"Ainda estamos dispostos a trabalhar para salvar o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio", disse Lavrov. "No entanto, os representantes dos EUA chegaram com uma posição preparada, com base num ultimato centrado na exigência de destruirmos este míssil, as suas plataformas e todo o restante equipamento sob a supervisão dos EUA", criticou o ministro russo.
Segundo Lavrov, os EUA só têm uma posição: "Vocês estão a violar o tratado e nós, não."
Em Fevereiro de 2018, os EUA apresentaram a sua nova doutrina nuclear, que prevê o desenvolvimento de bombas nucleares mais pequenas, em resposta aos esforços de modernização nuclear da Rússia. O objectivo é ter armas menos devastadoras, que em teoria possam ser usadas no campo de batalha e que não estão abrangidas pelos actuais tratados para limitar o uso de armas nucleares.
Lavrov disse ainda que os países europeus podem ajudar a salvar o acordo e que devem deixar de "andar atrás" da posição norte-americana.
Maior crise em décadas
Em Dezembro, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, voltou a falar de um cenário de guerra nuclear, depois de os EUA terem anunciado a saída do histórico tratado de controlo de armamento assinado em 1987. Na sua tradicional conferência de imprensa de fim de ano, Putin avisou que uma guerra nuclear "poderá exterminar toda a civilização, e talvez até o planeta".
"Estamos a assistir ao colapso do sistema internacional de contenção nuclear", disse o Presidente russo na sua mensagem ao país, deixando um aviso: "Nós sabemos como garantir a nossa segurança. Mas, no geral, isto é muito mau para a humanidade, porque nos deixa mais perto de uma linha perigosa. É uma questão muito séria, e é lamentável que esteja a ser subestimada."
Em Outubro passado, o director-adjunto do grupo independente Royal United Services Institute, Malcolm Chalmers, disse ao Guardian que "esta é a crise mais grave no controlo das armas nucleares desde os anos 1980".
O especialista sublinhou que o possível colapso do tratado pode levar ao fim de outro acordo histórico sobre desarmamento — o New START, assinado em 2010 pelos presidentes Barack Obama e Dmitri Medvedev, com vista à redução de armas nucleares, e que expira dentro de dois anos. Se isso acontecer, disse Chalmers, "o mundo pode ficar sem quaisquer limites aos arsenais nucleares pela primeira vez desde 1972".