Líderes europeus mantêm a fleuma mas apontam para o cronómetro

Em Bruxelas ainda não soou o alarme para recolher à sala de pânico, apesar da desilusão com o resultado da votação do acordo do "Brexit" em Londres.

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Protesto anti-Brexit frente ao Parlamento, em Londres Clodagh Kilcoyne/REUTERS

“Calma, muita calma”, sugeriu Michel Barnier, o negociador chefe da União Europeia para o “Brexit”, que passou os últimos 18 meses a montar o complexo tratado jurídico de 585 páginas para a saída do Reino Unido — aquele que todos os líderes europeus, e a própria primeira-ministra, Theresa May, ainda insistem que é “o único acordo possível”, apesar de ter sido espectacularmente chumbado pelo Parlamento britânico.

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“Calma, muita calma”, sugeriu Michel Barnier, o negociador chefe da União Europeia para o “Brexit”, que passou os últimos 18 meses a montar o complexo tratado jurídico de 585 páginas para a saída do Reino Unido — aquele que todos os líderes europeus, e a própria primeira-ministra, Theresa May, ainda insistem que é “o único acordo possível”, apesar de ter sido espectacularmente chumbado pelo Parlamento britânico.

O sangue frio do veterano diplomata francês só podia ser interpretado de duas maneiras: ou tem nervos de aço e uma invulgar capacidade para não entrar em pânico, ou apesar da indesmentível apreensão com os últimos desenvolvimentos em Westminster, os 27 ainda acreditam que existe margem de manobra para salvar o processo de divórcio e evitar uma queda no precipício a 29 de Março.

Antecipando a rejeição do documento pela Câmara dos Comuns, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, regressou a Bruxelas antes do fim da sessão do Parlamento Europeu em Estrasburgo para poder acompanhar a votação e coordenar a resposta oficial da UE ao resultado que só pode ser descrito como uma derrota humilhante para a primeira-ministra, Theresa May.

Juncker, que sempre tem procurado atender aos apelos da líder conservadora, evitou mencioná-la pelo nome na sua breve declaração. “Tomamos nota, com muita pena, do resultado da votação desta noite na Câmara dos Comuns. Do nosso lado, o processo de ratificação do acordo de saída prossegue”, informou o responsável europeu, que apelou ao Governo do Reino Unido para “clarificar as suas intenções o mais rapidamente possível”.

Não se esperava uma reacção muito diferente a partir do Berlaymont. Desde que as equipas negociais fecharam o texto do tratado jurídico, em Novembro, e os chefes de Estado e de Governo da UE aprovaram o acordo de saída, em Dezembro, que Bruxelas argumenta que a bola (ou se quisermos, a batata quente) está na mão do Reino Unido. Por isso, é Theresa May — ou talvez alguém por ela — que tem de esclarecer quais os passos que pretende dar a seguir.

E mediante as instruções ou os pedidos vindos de Londres, os 27 avaliarão o que podem fazer, sendo certo, nesta altura, que escrever mais cartas e avançar mais garantias em relação à aplicação do famoso backstop, o mecanismo de último recurso inscrito no acordo para garantir a inexistência da fronteira na ilha da Irlanda, não basta para mudar a opinião dos legisladores britânicos.

O mais provável é que UE intensifique a pressão para que o Reino Unido solicite uma extensão do prazo de aplicação do artigo 50 do Tratado da União Europeia. Só parando o cronómetro do “Brexit”, para que novas discussões possam conduzir a um acordo que seja ratificado pelos parlamentos de Londres e Estrasburgo, será possível travar a aplicação da lei que atirará o Reino Unido para fora da UE sem contemplações — e com as consequências dramáticas que todos os estudos económicos apontam para o cenário de no-deal: disrupção e caos, nas cadeias de produção, nos transportes, nas transacções financeiras.

Nenhum dos lados deseja esse cenário, que seria o pior possível, mas pelo menos até agora a primeira-ministra britânica foi firme a afastar a hipótese de um adiamento da data do “Brexit”. “Vamos sair da UE no dia 29 de Março”, garantiu Theresa May na segunda-feira, antes de o céu lhe cair na cabeça. A UE pode tentar mudar as ideias da primeira-ministra, por exemplo com promessas de mexidas na declaração política sobre a relação futura que acompanha o acordo de saída.

Esta quarta-feira, no Parlamento Europeu de Estrasburgo, Michel Barnier vai apresentar aos eurodeputados os possíveis cenários para ultrapassar o impasse negocial. A sessão já estava agendada, mas em função dos desenvolvimentos assumiu um carácter de crise que não tinha inicialmente: afinal, “estamos a dez semanas do ‘dia D’ e ainda não sabemos como vencer este bloqueio”, observou o eurodeputado socialista, Roberto Gualtieri, um dos membros do comité de acompanhamento do “Brexit”.

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, pôs o dedo na ferida com um ponto de situação certeiro quanto ao dilema do “Brexit”. “Se um acordo é impossível, e ninguém quer um não-acordo, quem terá finalmente a coragem de dizer qual é a única solução positiva?”, perguntou, sem precisar de escrever a resposta óbvia.