God Save the UK
O Reino Unido entra numa das suas épocas mais sombrias.
Esperava-se que a primeira-ministra britânica, Theresa May, sofresse esta terça-feira uma derrota na votação do acordo para a saída da União Europeia pelo qual se bateu com uma obstinação notável. Mas não se esperava que essa derrota fosse tão grande, tão profunda e tão dramática – foi a maior derrota de um primeiro-ministro em Westminster da história recente. Aconteça o que acontecer a seguir, os termos do acordo arduamente negociados com Bruxelas estão enterrados. Vai ser preciso começar tudo de novo e é difícil acreditar que as clivagens esta terça-feira reveladas pelo Parlamento britânico permitam uma negociação aceitável pelos 27. O “Brexit” dificilmente poderá ser suave depois do que aconteceu. Os piores pesadelos para o futuro do Continente, Ilhas Britânicas incluídas, tornaram-se ainda mais reais.
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Esperava-se que a primeira-ministra britânica, Theresa May, sofresse esta terça-feira uma derrota na votação do acordo para a saída da União Europeia pelo qual se bateu com uma obstinação notável. Mas não se esperava que essa derrota fosse tão grande, tão profunda e tão dramática – foi a maior derrota de um primeiro-ministro em Westminster da história recente. Aconteça o que acontecer a seguir, os termos do acordo arduamente negociados com Bruxelas estão enterrados. Vai ser preciso começar tudo de novo e é difícil acreditar que as clivagens esta terça-feira reveladas pelo Parlamento britânico permitam uma negociação aceitável pelos 27. O “Brexit” dificilmente poderá ser suave depois do que aconteceu. Os piores pesadelos para o futuro do Continente, Ilhas Britânicas incluídas, tornaram-se ainda mais reais.
O pessimismo sobre o futuro próximo tem como principal alicerce tudo o que aconteceu no passado recente. Cumprir o espírito do “Brexit”, em que o instinto soberanista e vagamente nacionalista do isolacionismo britânico dominou, e ao mesmo tempo evitar rupturas nos alicerces da relação que o Reino Unido construiu nas últimas cinco décadas com o Continente era por si só uma missão impossível. O acordo que Theresa May apresentou a votos era uma quadratura do círculo, uma tentativa desesperada de vender os anéis para salvar os dedos. Os interesses económicos e os fantasmas da violência na Irlanda do Norte impunham uma negociação que evitasse o regresso de uma fronteira física. E para que isso acontecesse sem a criação de uma alfândega imaginária no Mar da Irlanda, todo o país teria de seguir o acordo sobre a preservação de uma união aduaneira. O acordo de May era uma clara submissão ao pragmatismo da realpolitik. Mas era também um óbvio curativo nas feridas do referendo de 2016.
Na barafunda que embrulha coragem, irresponsabilidade e cinismo (capítulo no qual Jeremy Corbyn, que aproveitou o desastre para censurar Theresa May, é imbatível), o Reino Unido vai querer agora impor a sua vontade ao resto da Europa. Uma missão na qual está condenado a perder. Resta-lhe o pior dos pesadelos: uma saída não negociada. Para um país habituado às liberdades de circulação e à normalização europeias, o cenário que se anuncia é um “desastre”, como reconhece o secretário da Economia. Quando se confundem miragens soberanistas, impérios imaginários e poderes que não existem num projecto transnacional como o europeu, talvez esse destino seja irreversível. O Reino Unido entra numa das suas épocas mais sombrias. Como escrevemos na nossa capa da edição impressa de quarta-feira, por imitação do mote do hino nacional britânico, God Save The UK (Deus salve o Reino Unido).