Glifosato: relatório encomendado pela UE plagiou documento da produtora Monsanto

O documento elaborado por uma equipa alemã foi decisivo para a tomada de decisão que autorizou o herbicida na Europa em 2017.

Foto
Reuters/YVES HERMAN

O relatório encomendado pela União Europeia que avaliou os riscos da utilização de glifosato, um químico suspeito de causar cancro, foi copiado de um documento que a Monsanto e os seus parceiros industriais, produtores da substância, entregaram às autoridades europeias.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O relatório encomendado pela União Europeia que avaliou os riscos da utilização de glifosato, um químico suspeito de causar cancro, foi copiado de um documento que a Monsanto e os seus parceiros industriais, produtores da substância, entregaram às autoridades europeias.

Foi com base no relatório preliminar redigido pelo Bundesinstitut für Risikobewertung (BfR), um instituto alemão de avaliação de riscos, que a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e os peritos dos Estados-Membros concluíram que o glifosato não apresentava riscos cancerígeno e aprovaram a sua utilização na Europa até 2022. 

Segundo conta o Le Monde, jornal que avançou com a notícia, foi o especialista em plágio Stefan Weber, em conjunto com o bioquímico Helmut Burtscher, quem divulgou a informação de que os capítulos mais importantes da avaliação científica são o resultado de mais de 50% de plágio e mais de 70% de copy paste. De acordo com os dois investigadores, cujo trabalho foi revisto por dois especialistas científicos em plágio antes de serem divulgados, "é evidente que as recomendações divulgadas pelo BfR são tendenciosas, incorrectas ou informações incompletas fornecidas pelos fabricantes de [glifosato]". 

No capítulo sobre estudos na indústria, os especialistas do BfR terão copiado para as mais de 4 mil páginas do relatório que produziram 81% dos documentos da Monsanto. Noutras partes, existe a reprodução integral de algumas definições e conclusões do documento do gigante agrícola. 

Na votação de Novembro de 2017, e tendo em conta a falta de consenso entre os países no que toca ao uso da substância, a Comissão Europeia reformulou a sua proposta, sugerindo então uma renovação de cinco anos, em vez de dez. Portugal, representado no comité de peritos por um técnico da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, foi o único país a abster-se na votação. 

A proposta de extensão do glifosato tem estado envolta em polémica, sobretudo por causa de um debate científico sobre os seus efeitos na saúde humana e no ambiente: existem, na União Europeia, diferentes avaliações sobre a suposta natureza carcinogénica do produto.

A Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC, na sigla em inglês), da Organização Mundial da Saúde (OMS), considerou, em Março de 2015, que o herbicida era genotóxico e “provavelmente” um carcinogénico. Sete meses depois do relatório da IARC, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar considerava “pouco provável que [o glifosato] tenha perigo carcinogénico para os humanos”.

No entanto, em 2017, um tribunal na Califórnia condenou o gigante agrícola Monsanto a indemnizar um homem que culpa o seu contacto durante anos com glifosato pelo cancro terminal que desenvolveu, na primeira decisão judicial de um caso que envolveu os efeitos do herbicida para a saúde humana.