Trabalho, natalidade e envelhecimento: a difícil equação de ser família em Portugal
Continuar a colocar a tónica “apenas” no tempo e condições para acompanhar os filhos está desfasado daquelas que são as reais necessidades das famílias portuguesas.
As políticas de apoio e promoção da família têm sido uma espécie de parentes pobres das políticas sociais em Portugal, sujeitas a experimentalismos, avanços e recuos sucessivos, determinados muito mais pelos interesses de agenda política e ideológica, do que pela vontade de melhorar a qualidade de vida e a percepção de realização e felicidade da população, numa área que é, comprovadamente, uma das mais valorizadas pelos indivíduos.
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As políticas de apoio e promoção da família têm sido uma espécie de parentes pobres das políticas sociais em Portugal, sujeitas a experimentalismos, avanços e recuos sucessivos, determinados muito mais pelos interesses de agenda política e ideológica, do que pela vontade de melhorar a qualidade de vida e a percepção de realização e felicidade da população, numa área que é, comprovadamente, uma das mais valorizadas pelos indivíduos.
As políticas de família parecem interessar apenas em anos eleitorais, quando assistimos a uma sucessão de apresentações de “pacotes de medidas”, dirigidas às famílias, que são, depois, rapidamente esquecidos ou, pelo menos, nunca concretizados em pleno.
Julgo existirem, para este facto, algumas razões fundamentais:
1. Os efeitos das políticas de apoio à família (assim como das de educação) produzem-se a prazo: no longo prazo de uma geração, em que a natalidade aumentará e em que teremos indivíduos mais integrados, felizes e realizados. Ora, esse prazo é demasiado, se tivermos em conta a prevalência de uma lógica imediatista do interesse eleitoral a quatro anos.
2. O tema da família tem assumido, em Portugal, conotações ideológicas destituídas de qualquer sentido. Ora porque é acusado de representar uma visão demasiado “restrita”, que tenta impor uma espécie de ditadura da família-modelo, ora porque é acusado de ser fracturante ou disruptivo, por igualizar diferentes modos, formas e realidades familiares.
Nesta batalha ideológica em torno da família, esquece-se que esta, enquanto instituição social plástica e moldável, evolui, adaptando-se àquela que é a mudança do contexto social envolvente. Esquecê-lo é, infelizmente, esquecer também a necessidade de a proteger e apoiar e de, com isso, promover a qualidade de vida dos cidadãos.
3. As visões “românticas” e totalmente anacrónicas acerca da força da solidariedade das redes familiares, e da entreajuda nelas promovidas, contribuiu para uma efectiva desresponsabilização de um Estado Social, por natureza débil, que preferiu deixar, ao abrigo do argumento da privacidade, a cargo das famílias todo um conjunto de funções que esse mesmo Estado nunca conseguiu cumprir, limitando-se a actuar, nesta área, de forma totalmente subsidiária e manifestamente ineficaz.
4. As necessidades das famílias são de natureza estrutural e implicam um compromisso nacional e de vasta concertação social, em matérias tão distintas quanto a legislação laboral, os apoios financeiros, a fiscalidade, os equipamentos de cuidados ou o próprio ordenamento do território. Isto para não falar da necessária articulação com as políticas de educação, de saúde e de habitação.
Verifica-se, ainda, que aquela que é a questão central das políticas de família, a saber, a conciliação entre trabalho e vida familiar, tem sido sempre tratada numa lógica de facilitação de acompanhamento aos filhos, estratégia que, supostamente, poderia ajudar a promover a natalidade, esquecendo que a realidade demográfica se tornou muito mais complexa e nos obriga a colocar uma nova variável nesta já de si difícil equação: o envelhecimento.
Hoje, e por efeito combinado do adiamento da idade em que se tem o primeiro filho e do aumento da longevidade, a população adulta vive, de facto, a realidade da “geração-sanduíche”, dividida e pressionada entre a necessidade de prestar apoio aos filhos (ainda crianças ou adolescentes) e aos pais (cada vez mais velhos e com progressiva perda de autonomia). Esta é, assim, uma verdadeira geração de cuidadores: informais, cansados e totalmente desapoiados.
Continuar a colocar a tónica “apenas” no tempo e condições para acompanhar os filhos está desfasado daquelas que são as reais necessidades das famílias portuguesas.
Insistir na necessidade de respostas e equipamentos para a infância é, sem qualquer dúvida, necessário, mas já não chega. Há que pensar, e com urgência, nas respostas de cuidado para os mais velhos, seja naquelas que pressupõem a sua manutenção no ambiente familiar, seja nas que implicam a sua institucionalização, em unidades especializadas, acessíveis e dignas.
Só a ponderação conjunta das variáveis trabalho, natalidade e envelhecimento poderá conceber medidas e soluções que contribuam, realmente, para a vontade e o gosto de ser e viver família em Portugal.