Elisabete Jacinto: "Se há coisa que chateia os meus adversários é ficar à frente deles, por ser mulher"
Piloto portuguesa foi a primeira mulher a vencer a África Eco Race, ao volante de um camião. Ao PÚBLICO, disse que a resiliência foi o principal ingrediente para o sucesso. E acredita que "se fosse homem tinha muitas facilidades".
Elisabete Jacinto está “muito feliz" por ter sido a primeira mulher a vencer a África Eco Race, prova automóvel todo-o-terreno sucessora do Rali Dakar no continente africano, ao volante de um camião. "Se há coisa que chateia os meus adversários é ficar à frente deles, por ser mulher. Muitas vezes, na oficina, os mecânicos não me levavam a sério e, por via disso, cheguei a ter problemas. Tenho claro que se fosse homem tinha muitas facilidades. Mas se a minha vitória inspirar as mulheres a sentirem-se mais curiosas e a experimentarem o desporto, fico muito contente”. A partir de Dakar, a portuguesa falou com o PÚBLICO sobre o triunfo inédito e os acontecimentos que a levaram até ao mundo das corridas.
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Elisabete Jacinto está “muito feliz" por ter sido a primeira mulher a vencer a África Eco Race, prova automóvel todo-o-terreno sucessora do Rali Dakar no continente africano, ao volante de um camião. "Se há coisa que chateia os meus adversários é ficar à frente deles, por ser mulher. Muitas vezes, na oficina, os mecânicos não me levavam a sério e, por via disso, cheguei a ter problemas. Tenho claro que se fosse homem tinha muitas facilidades. Mas se a minha vitória inspirar as mulheres a sentirem-se mais curiosas e a experimentarem o desporto, fico muito contente”. A partir de Dakar, a portuguesa falou com o PÚBLICO sobre o triunfo inédito e os acontecimentos que a levaram até ao mundo das corridas.
Elisabete Jacinto nasceu no Montijo em 1964 e teve uma infância igual à de tantas outras meninas. “Sou de uma família muito tradicional. Enquanto criança brincava com bonecas, bordados, actividades muito femininas. O facto de a minha educação ter sido assim, carregou-me de medos e inseguranças. Quando comecei a andar de moto, percebi que esses medos eram imaginários”.
Fez toda a educação no Montijo, antes de se mudar para Lisboa, onde tirou a licenciatura em Geografia. Começou a dar aulas ainda antes de terminar o curso, função que desempenhou até 2003. Foi apenas com 27 anos que a piloto teve o primeiro contacto com o mundo das corridas, através de uma revista da especialidade: “Estava com o meu marido Jorge, em Lisboa, e ele pegou numa revista e sugeriu que tirássemos a carta de moto. Nessa altura, nem a carta de carro tinha. Por brincadeira comprámos uma moto e decidimos fazer um passeio. Foi assim que tudo começou”.
A compra impulsiva abriu a porta do universo motorizado a Elisabete que, em 1992, participou na primeira prova, a Grândola 300: “Não cheguei a acabar. Num dos rios caí, não consegui levantar a moto da água. Mas, no fim da corrida, a pessoa mais feliz era eu porque fiz mais do que alguma vez pensei”.
A mudança para os camiões
O “bichinho” foi crescendo e Elisabete tomou uma decisão que mudaria a sua vida: participar no Rali Paris Dakar. A primeira tentativa não correu bem, com a portuguesa a desistir a meio da prova. Tentou novamente, com o mesmo resultado. “As motas exigiam imenso. Achava que as pessoas não reconheciam o meu esforço. Fiz o Dakar em péssimas condições. E depois pensei em começar a fazer camião”.
A primeira experiência no veículo pesado correu mal, mas Elisabete percebeu que seria ali, naquela categoria, que triunfaria: “Tive a minha primeira tentativa no camião e foi um desastre. Mas soube que seria muito mais competitiva do que nas motos”. O palpite foi certeiro e a piloto portuguesa foi somando vários triunfos ao longo da carreira. O Rali de Marrocos e o Rali da Tunísia fazem parte do palmarés de Elisabete que, na prova que conquistou no domingo ao volante de um camião MAN, já tinha ficado em segundo lugar por duas vezes, em 2011 e 2012.
“Houve várias coisas que contribuíram para o resultado diferente deste ano. Em primeiro lugar, os aspectos técnicos no camião: o motor, os amortecedores e as jantes de alumínio. Com esse tipo de melhorias consegui fazer as zonas de areia mole sempre a andar, não precisando de escavar”. A piloto portuguesa destaca também o forte trabalho de uma equipa composta por José Marques e Marco Cochinho que, por ser mista, oferece outras vantagens. “O facto de termos diferentes visões, ajuda. Foi o que nos ajudou a ultrapassar outras equipas com mais dinheiro do que a nossa”, garante a antiga professora.
“Olhei para os meus fracassos como lições”
Elisabete Jacinto chega a Portugal na manhã de terça-feira. Apesar do feito, não espera uma recepção de gala. “Vou chegar de madrugada [risos], portanto não recomendo que ninguém se levante cedo para me ir receber. Acima de tudo, tenho recebido muitas mensagens de parabéns e isso deixa-me muito feliz”.
A carreira da portuguesa foi marcada por vários desaires, facto que a piloto garante ter contribuído para a conquista de domingo, depois de 16 anos de esforços: “Ao longo dos anos, fui-me cruzando com pessoas [que desistiram]. Acho que a principal diferença entre mim [e elas] é que sempre que caí me levantei. Sempre olhei para os meus fracassos como lições a serem aplicadas no futuro”. Aos 54 anos, consegue a vitória mais importante da carreira. Quanto ao futuro, a piloto afirma que agora “é tempo para descansar e aproveitar a vitória”.