A precariedade e o futuro da investigação em Portugal
Existe razão de ambos os lados e é preciso bom senso, equilíbrio e ausência de radicalismos, para encontrar soluções justas para os bolseiros e úteis para as instituições, sem pôr em causa os princípios essenciais defendidos por grande parte da academia.
O Estado integrou recentemente nos quadros da função pública milhares de trabalhadores precários indiferenciados, mas a integração dos precários mais qualificados, os investigadores e bolseiros doutorados das universidades, laboratórios do Estado e institutos de Investigação, quando se processa, faz-se a um ritmo muito lento e em função do peso institucional de algumas academias. Os vários diplomas aprovados pela Assembleia da República e pelo Governo são em número demasiado extenso, lançando alguma confusão na análise desta questão.
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O Estado integrou recentemente nos quadros da função pública milhares de trabalhadores precários indiferenciados, mas a integração dos precários mais qualificados, os investigadores e bolseiros doutorados das universidades, laboratórios do Estado e institutos de Investigação, quando se processa, faz-se a um ritmo muito lento e em função do peso institucional de algumas academias. Os vários diplomas aprovados pela Assembleia da República e pelo Governo são em número demasiado extenso, lançando alguma confusão na análise desta questão.
A academia defende ciosamente a autonomia universitária, no âmbito do qual se enquadra o princípio de que a admissão e progressão na carreira académica se devem fazer por concurso tendo como critério o mérito individual. No entanto, estes trabalhadores com vínculos precários têm executado ao longo dos anos (num mínimo de cinco anos desde a conclusão do seu doutoramento) tarefas indispensáveis à produtividade das Instituições acima referidas, através seus contributos para projectos de investigação, orientação de teses e participação em aulas ou cursos de formação universitária. E embora a investigação seja uma actividade permanente, pode-se argumentar que as pessoas que a executam podem não ser sempre as mesmas, pois pode haver rotação de pessoal.
No entanto, não é este o caso dos precários cuja integração se discute, pois estes têm sido contratados sucessivamente para tarefas deste tipo e não apenas para um trabalho isolado (necessidade pontual). Vários deles, pelo “estatuto” que granjearam ao longo dos anos, têm exercido funções de representação externa das instituições em que trabalham, junto de outras entidades. Como exemplo, podem referir-se, entre outros, câmaras municipais, ordens profissionais, a Autoridade Nacional de Protecção Civil, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), empresas parceiras de projectos nacionais e internacionais, bem como interacção com a comunicação social e opinião pública, participação em corpos directivos de sociedades científicas, etc.
Existe razão de ambos os lados e é preciso bom senso, equilíbrio e ausência de radicalismos, para encontrar soluções justas para os bolseiros e úteis para as instituições, sem pôr em causa os princípios essenciais defendidos por grande parte da academia, incluindo os autores deste artigo. Ou seja, os precários só deverão ser integrados nas carreiras especiais (docentes e investigadores) se verificarem os mesmos critérios exigidos aos que acedem a essas carreiras pelas vias normais, devendo realizar provas de mérito absoluto, para o que é necessário que se abram as correspondentes vagas. Não é razoável nem necessário para resolver este problema que uns entrem pelas vias normais e outros pela “porta do cavalo”.
Neste contexto, não é aceitável manter indefinidamente em situação precária pessoas cujo trabalho as próprias instituições sucessivamente valorizaram. E não é razoável dizer que este processo é contra a autonomia universitária, pois foi a academia que escolheu os bolseiros e investigadores precários e tem tirado partido do seu trabalho anos a fio. Por outro lado, é do mais elementar bom senso a posição dos líderes das instituições de não quererem assumir compromissos com o pagamento dos salários futuros desses bolseiros se estes passarem a desempenhar funções permanentes, sem garantirem previamente os recursos necessários à satisfação desses compromissos. E, em geral, o Estado ainda não garantiu esses recursos às instituições. Por isso, é importante que o Estado não manifeste apenas a intenção de regularizar os precários, é preciso que acompanhe essas intenções com os recursos necessários ao seu cumprimento. O país e as instituições não se podem dar ao luxo de marginalizar ou empurrar para a emigração ou desemprego muitas das pessoas mais qualificadas de que o país dispõe. Há também que considerar os aspectos sociais e humanos de quem já anda na casa dos 40, 50 ou mais anos.
Neste problema há também outras questões a considerar, por exemplo, a necessidade de rejuvenescimento em muitas universidades, pois as restrições às contratações nas últimas duas décadas criaram em muitas instituições um corpo docente envelhecido. Isto aconselharia a uma política de contratação de assistentes novos para serem formados e serem os professores do futuro. Mas este processo demora tempo, que em alguns casos não existe. Ou seja, é preciso pensar na transição, para a qual os bolseiros, a integrar, podem dar um contributo positivo.
Tendo em conta o exposto, pensa-se que com bom senso e ausência de radicalismos, se o Estado disponibilizar às instituições de investigação os recursos que precisariam, o problema dos bolseiros e investigadores precários poderia ter uma solução socialmente justa e do interesse do país e das instituições, sem violação do princípio básico da entrada na carreira e promoção pelo mérito. Deve-se também realçar-se que é importante não repetir os erros do passado, para que daqui a dez ou 20 anos não tenhamos um problema de precários na investigação como temos agora. É necessário definir as regras para que os bolseiros ou investigadores doutorados saibam com o que contar e não permitir que as situações se possam eternizar, como aconteceu com muitos dos actuais precários.
Neste contexto, a par da resolução deste problema, é preciso que o Estado, a academia e a indústria (que deveria integrar um número crescente de doutorados, para promover a inovação e melhorar a competitividade) repensem o financiamento da investigação e do emprego de doutorados na indústria e, em alguns aspectos, se adoptem modelos e práticas mais sustentáveis do que as dos últimos anos. Ou seja, é preciso pensar no futuro da investigação e dos investigadores, na academia e na indústria, no curto, médio e longo prazo. A resolução do problema dos actuais precários na investigação pode e deve resultar de uma reflexão abrangente e não de mais medidas avulsas que essencialmente adiam os problemas sem os resolverem de forma duradoura.