Nesta escola o director chega a fazer de porteiro
“O potencial de risco nas escolas é muito grande", avisa o director da Escola Básica e Secundária de Canelas, em Vila Nova de Gaia. Com apenas 15 funcionários de serviço, para um universo de 1342 alunos, esta escola tornou-se num "monstro impossível de controlar".
Com um telefone portátil no bolso que não pára de tocar e outro encostado ao ouvido, Maria da Luz não tem muito tempo a perder. “Estou a fazer ‘dez em um’. Não há champô que me acompanhe”, atira, à laia de cumprimento, quando o PÚBLICO pergunta o que faz no PBX da escola se a sua função é a de supervisora dos assistentes operacionais. E a explicação assenta em contas de subtrair, que qualquer aluno conseguiria desenrascar: “Tenho seis funcionárias de atestado médico, duas com licença de vencimento e duas tarefeiras foram desviadas para outra escola cuja funcionária também está de baixa...”.
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Com um telefone portátil no bolso que não pára de tocar e outro encostado ao ouvido, Maria da Luz não tem muito tempo a perder. “Estou a fazer ‘dez em um’. Não há champô que me acompanhe”, atira, à laia de cumprimento, quando o PÚBLICO pergunta o que faz no PBX da escola se a sua função é a de supervisora dos assistentes operacionais. E a explicação assenta em contas de subtrair, que qualquer aluno conseguiria desenrascar: “Tenho seis funcionárias de atestado médico, duas com licença de vencimento e duas tarefeiras foram desviadas para outra escola cuja funcionária também está de baixa...”.
Do lado de fora da central telefónica, o previsível torvelinho da miudagem, numa escola que, como a Básica e Secundária de Canelas, em Vila Nova de Gaia, soma 1343 alunos, do 1.º ao 12.º ano de escolaridade. Do lado de dentro, Maria da Luz, 59 anos de idade e ar já cansado, apesar de a manhã ainda ir a meio, tenta fazer a sua espécie de milagre quotidiano da multiplicação dos funcionários, mas é interrompida pela assistente que está de serviço no bloco F, piso -1. “Ligou a dizer que não vai voltar a pôr papel higiénico nas casas de banho porque o que pôs hoje de manhã já está todo espalhado no chão”, relata, em tom de desabafo, para acrescentar: “Está cada vez mais difícil aguentar este barco." Ao lado, outra funcionária, Maria Luísa, que se diz “a fazer as contas para a reforma”, atalha a conversa para resumir o quadro: “Eu, se fosse mãe, já tinha encerrado esta escola.”
Com os referidos 1342 alunos, esta escola, sede de um agrupamento com 11 estabelecimentos de ensino, devia ter pelo menos 21 funcionários a trabalhar. Destes, no dia em que o PÚBLICO falou com o director, Artur Vieira, apenas 15 estavam de serviço. Não chegam para cobrir as necessidades de um estabelecimento labiríntico, no qual, a partir de um bloco central, emanam cinco outros blocos, unidos por zonas de recreio, escadas e corredores. A escola soma mais de 32 mil metros quadrados. O equivalente, mais ou menos, a três campos de futebol. Um dos blocos, o F, tem quatro pisos. No total, são mais de 80 os compartimentos de wc.
“Um monstro impossível de controlar”
“Esta escola é colossal. Um monstro impossível de controlar”, desabafa a professora Gracinda Machado, que percorre vários corredores até conseguir encontrar um funcionário. É que, na maior parte das vezes, compete a um único assistente zelar pela limpeza e segurança de cada um dos blocos. No caso do que tem quatro pisos, até para o 007 seria missão impossível. “Não conseguimos ‘botar’ o olho a todos”, reconhece Paula Braga, dizendo-se “esgotada” e, aparentemente, já sem energia para admoestar os alunos que se concentram numa zona proibida do corredor, junto à saída para as escadas de emergência.
Ao seu lado, a professora Gracinda Machado aponta as consequências da escassez destes profissionais. “Muitas vezes, os professores não dispõem de ajuda quando se trata de expulsar um aluno indisciplinado da sala de aula. Abrem a porta e não encontram ninguém." E, se acontece algum aluno cair e magoar-se ou desmaiar, o socorro às vezes demora a chegar, como demora a detecção de comportamentos disruptivos dos alunos que se entretêm a arrancar puxadores de portas, partir azulejos ou dar pontapés nas paredes que, sendo de pladur, furam com facilidade. “No outro dia, abriram um buraco enorme na parede porque não há vigilância”, conta Gracinda Machado.
Para evitar que a degradação alastre, e com ela a insegurança e a indisciplina, a escola apressa-se a fazer todas as reparações necessárias. O director, Artur Vieira, e Gracinda Machado são visita frequente nas salas de aula em sessões que visam sensibilizar os alunos para a importância de cumprimento das regras. Ainda assim, como diz Gracinda Machado, falando literalmente: “Andamos sempre a tapar buracos." E, pontualmente, a fechar serviços como a papelaria ou a reprografia, se acontece — como acontece muitas vezes — algum funcionário ter de acompanhar um aluno com o pé torcido ou o pulso deslocado ao hospital. Em tratando-se de alunos com necessidades educativas especiais, as solicitações aos funcionários, claro está, quadruplicam.
Agora mesmo, o assistente que deveria estar na biblioteca está a varrer o chão do corredor que dá acesso à cantina. Na biblioteca propriamente dita, as mais de duas dezenas de computadores estão ocupados e, junto às estantes com livros, os alunos estão em roda livre. “Mexem nos livros sozinhos. E, além de os porem fora do sítio, alguns vão nas pastas para casa, porque não há ninguém a controlá-los”, lamenta Gracinda Machado, cujo orgulho pela escola onde lecciona a disciplina de Inglês não a impede de afirmar: “Começamos a ficar muito inseguros aqui dentro."
Meditação para baixar stress
Apesar de os problemas se espalharem a esmo pelos “cotovelos” da escola, como os funcionários chamam às zonas não vigiadas, as instalações são novas. E o cenário poderia ser muito mais cinzento, não fosse o esforço colectivo para evitar que a indisciplina alastre. “Estamos a iniciar um projecto de meditação transcendental com uma turma-piloto do 7.º ano. Mas a ideia é pôr a escola toda a meditar para baixar o nível de stress dos miúdos e como forma de manter um ambiente mais tranquilo e reduzir os episódios de indisciplina”, conta Gracinda.
O projecto ON, em que professores se voluntariam no tempo da sua componente não lectiva para supervisionarem os corredores, num patrulhamento destinado a ajudar alunos e a minimizar os estragos e a falta de segurança, também consubstancia “uma inovação pedagógica”, como descreve Artur Vieira, que ajuda a adiar o cenário mais dramático que seria o fecho da escola.
“Os pais começam a pressionar-nos para tomar medidas”, avisa Gracinda Machado. Mas, e “porque o fecho seria improdutivo”, segundo o director, a escola prefere investir em apostas como o projecto EVA. “É o Espaço Vida e Arte onde os alunos que são postos fora da sala de aula são motivados para a criação artística. Está lá um professor com quem podem falar e a esperança é que se abram um pouco mais, evitando aquela coisa de eles sentirem que vão para uma ‘sala de castigo’, porque os castigos, às tantas, deixam de fazer efeito”, resume Gracinda Machado.
Nos dias piores, em que o ver-se-te-avias dos funcionários não chega para manter os alunos em segurança quando mais para assegurar a limpeza dos 80 compartimentos de casa de banho, o director faz as vezes de porteiro ou de vigilante de corredor. “Tento levar isto com alguma leveza, só posso. É a mim que compete assegurar respostas em situações de crise como agora em que, dos 43 funcionários das 11 escolas do agrupamento, cinco estão com 'junta médica', quatro de atestado, um teve um acidente de serviço e outro está com baixa sem remuneração. Muitas vezes também estou a regular a fila da cantina”, descreve Artur Vieira, para, em tom mais sério deixar um aviso: “O potencial de risco nas escolas é neste momento muito grande."