Isolamento internacional de Maduro aproveitado pela oposição, que anunciou uma “transição”
O presidente da Assembleia Nacional citou a Constituição para se dizer disponível para assumir a Presidência interina do país. Maduro desvaloriza jogada da oposição.
Amparada por um apoio internacional sem precedentes, a oposição venezuelana subiu o tom no seu conflito aberto com o regime de Nicolás Maduro. O presidente da Assembleia Nacional, Juan Gaidó, invocou a Constituição para se dizer preparado para assumir as funções da chefia de Estado, que diz terem sido “usurpadas” por Maduro.
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Amparada por um apoio internacional sem precedentes, a oposição venezuelana subiu o tom no seu conflito aberto com o regime de Nicolás Maduro. O presidente da Assembleia Nacional, Juan Gaidó, invocou a Constituição para se dizer preparado para assumir as funções da chefia de Estado, que diz terem sido “usurpadas” por Maduro.
Um dia depois da tomada de posse de Maduro, a Assembleia Nacional, onde a oposição tem maioria, convocou uma reunião aberta em Caracas, a que acorreram milhares de pessoas, dirigentes sindicais, líderes estudantis e antigos “chavistas”. A uni-los estava unicamente o desejo de uma “transição” daquilo que dizem ser uma ditadura instaurada por Nicolás Maduro para um regime democrático.
Depois de anos de tentativas goradas para derrubar Maduro, a oposição – composta por pequenos partidos coligados na Mesa de Unidade Democrática (MUD) – deu um dos passos mais radicais e arriscados à sua disposição, abrindo caminho para que o presidente do Parlamento assuma a presidência do país.
“Invocando os artigos 333.º, 350.º e 233.º da Constituição, o presidente da Assembleia Nacional, deputado Juan Guaidó, assumiu as competências da Presidência da República para, junto do povo venezuelano e das Forças Armadas, convocar um processo de eleições livres e transparentes que facilitem uma transição pacífica e democrática no país", diz o comunicado emitido pela Assembleia Nacional após a reunião aberta.
Guaidó disse aos milhares que se concentraram na avenida Francisco de Miranda, no centro de Caracas, que o país assistiu a uma “usurpação por parte de Nicolás Maduro porque as eleições presidenciais de 20 de Maio foram pejadas de irregularidades e o seu resultado foi rejeitado pela Venezuela e pelo mundo”.
A declaração da Assembleia gerou diferentes interpretações e alguma confusão. Não ficou de imediato claro se Guaidó se tinha proclamado Presidente interino ou se se tratou da manifestação de uma intenção. A proclamação de uma presidência interina requer que seja convocada uma sessão formal do parlamento, explicava o El Mundo, citando constitucionalistas.
No seu discurso, Guaidó disse estar disposto “a exercer o mandato do país”, mas apontou algumas condições: "Deve ser o povo da Venezuela, as Forças Armadas e a comunidade internacional a dar-nos um mandato claro."
A oposição marcou para 23 de Janeiro uma manifestação para mostrar nas ruas o apoio à “transição”.
Fora da Venezuela parece ser cada vez maior o consenso de que Maduro é um Presidente ilegítimo. O presidente da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, saudou a “proclamação de Guaidó como Presidente interino da Venezuela”, dando desde logo como adquirida a nomeação. No dia da tomada de posse, a OEA votou, por 19 votos a favor, seis contra e oito abstenções, uma declaração a “não reconhecer a legitimidade do período de regime de Nicolas Maduro a partir de 10 de Janeiro de 2019” e manifestou apoio ao “povo venezuelano que não está sozinho para recuperar a democracia, os direitos humanos e a liberdade de todos”.
No mesmo sentido vai o posicionamento do Grupo de Lima, que junta 13 países da América – mas criticado por Maduro como uma “marioneta dos EUA” –, que desde 2017 se reúnem regularmente para debater a crise venezuelana. O Paraguai cortou as relações diplomáticas com Caracas e o Peru está a ponderar seguir-lhe o exemplo, apelidando o regime venezuelano de “ditadura”.
A Administração norte-americana também tem subido o tom das críticas a Maduro e aplaudiu a decisão de Guaidó. O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, emitiu uma declaração a dizer que os EUA "apoiam firmemente" a Assembleia Nacional, que definiu como "o único ramo legítimo e devidamente eleito da Venezuela". "Apoiamos de forma particular a decisão corajosa do presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, de invocar a Constituição e de declarar ilegítima a presidência de Maduro", disse Bolton.
O secretário de Estado, Mike Pompeo, chamou o Governo de Maduro de “ilegítimo” e garantiu que Washington irá trabalhar “diligentemente para restaurar a democracia no país”.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros brasileiro emitiu um comunicado em que “saúda” a disposição de Guaidó em assumir a presidência venezuelana, “diante da ilegitimidade da posse de Nicolás Maduro”.
Ameaça de prisão
Mas se o apoio internacional é uma boa notícia para uma oposição que sempre foi dividida e desorganizada, a nível interno falta-lhe o respaldo crucial dos militares. Antes da tomada de posse, a MUD fez um derradeiro apelo às chefias das Forças Armadas para que recusassem jurar lealdade a Maduro. Porém, o sector militar (onde parte da cúpula foi formada em Cuba, ao abrigo de acordos de cooperação) continua a ser um dos esteios do regime.
Maduro minimizou a jogada da oposição, ridicularizando o presidente da Assembleia. “Quem é esse Guaire ou Guaido? Eles põem-no com o apoio de quem, que vai ele fazer amanhã, que vai ele fazer com o povo, com os milhões de ‘chavistas’, revolucionários e patriotas?”, questionou o Presidente.
A ministra das Prisões, Iris Varela, ameaçou prender o presidente do parlamento. "Guaidó, já tenho uma cela pronta para ti, com um uniforme", escreveu no Twitter.
Desde as eleições legislativas de 2015 que a Assembleia Nacional é controlada por uma maioria de deputados da MUD. Porém, o órgão legislativo viu os seus poderes esvaziados depois de Maduro ter convocado uma Assembleia Constituinte, dominada pelo “chavismo”, para onde transferiu as principais competências. A estratégia da oposição passou então a recair na convocatória de um referendo que visava a destituição de Maduro, mas a Comissão Eleitoral, também controlada por elementos afectos ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), invalidou todas as tentativas para que o voto fosse realizado.
Seguiram-se meses de violentos protestos, alimentados pela crise política, mas também por uma profunda crise económica que provocou uma escassez de bens essenciais e a queda acentuada das condições de vida – o regime culpa as sanções internacionais. Nos confrontos nas ruas morreram 120 pessoas ao longo de 2017.