Calar os criminosos?
A convicção que as mensagens e ideias se combatem com repressão é perigosa em termos de vida democrática.
Não se convida um cadastrado por crimes violentos e apologista da ideologia nazi, que cumpriu anos e anos de prisão e que não manifesta qualquer arrependimento ou interiorização da gravidade dos seus actos, para conversar num programa de televisão. Não porque seja ilegal, não porque seja crime ou que se esteja a praticar qualquer contra-ordenação, mas por uma questão ética, de um mínimo de decência.
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Não se convida um cadastrado por crimes violentos e apologista da ideologia nazi, que cumpriu anos e anos de prisão e que não manifesta qualquer arrependimento ou interiorização da gravidade dos seus actos, para conversar num programa de televisão. Não porque seja ilegal, não porque seja crime ou que se esteja a praticar qualquer contra-ordenação, mas por uma questão ética, de um mínimo de decência.
Uma vez feito o convite e dado tempo de antena a um facínora, podemos lamentá-lo, podemos criticá-lo, podemos, em especial e de forma particularmente eficaz, ridicularizá-lo – recorde-se o sempre notável “Tesourinhos Deprimentes – Raios e Coriscos”, de Ricardo Araújo Pereira.
O que não devemos, seguramente, é afirmar que a manifestação de ideais antidemocráticos é uma violação grave que merece condenação dura e exemplar, e exigir uma sanção efectiva por parte das entidades competentes, da amplamente reincidente TVI, assim como de todos os órgãos de comunicação social, empresas e pessoas que têm contribuído para a propagação de atitudes e discursos racistas, fascistas, homofóbicos e sexistas, como o fizeram inúmeras associações e individualidades num comunicado tornado público na passada segunda-feira.
A convicção que as mensagens e ideias se combatem com repressão é, essencialmente, errada e, seguramente, perigosa em termos de vida democrática. Se o referido cadastrado pudesse, agora, arvorar-se em vítima da repressão democrática por ter falado na TVI, teríamos, como é evidente, um efeito multiplicador da propaganda da sua sinistra personagem e das suas ideias. Claro que se a TVI tivesse enquadrado a entrevista com as imagens em que se vê o cabecilha da extrema-direita portuguesa a simular um corte de pescoço com os dedos de uma forma esclarecedora da sua verdadeira personalidade, seria mais informativo do que entrevistá-lo, quase sem contraditório, mas nada obriga a TVI a ser particularmente informativa.
O Sindicato dos Jornalistas, entre outras coisas, veio informar-nos que já pediu à Ordem dos Advogados que esclareça se Mário Machado é “advogado”, como foi apresentado, (...) e a que título assim é considerado por uma classe profissional que também tem um código de ética que respeita a Constituição e ainda que, ia apresentar queixa contra a TVI junto do regulador, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e do legislador, a Assembleia da República.
No que respeita à pergunta feita à Ordem dos Advogados convém lembrar que, como é evidente, ser advogado, no sentido de estar inscrito na Ordem, não confere qualquer garantia quanto às qualidades humanas, intelectuais, ideológicas ou morais da pessoa em si; no que concerne às queixas apresentadas, há a dizer que, felizmente, a ERC recusou o papel de guardião moralista do sistema mediático – que, em tempos, galhardamente assumiu – e veio, de uma forma sintética, explicar que, embora o personagem em causa tivesse sido condenado e cumprido pena de prisão, por crimes de sequestro, detenção de arma proibida e violência racial que culminou com homicídio, no nosso sistema legal nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, pelo que nada impedia que fosse entrevistado por um qualquer meio de comunicação social.
Por outro lado, como afirma a ERC na sua deliberação – com um voto de vencido do vice-presidente Mário Mesquita –, o que foi afirmado pelo entrevistado traduz a sua opinião não indiciando 'prima facie' ilícito de incitamento ao ódio ou à violência. Por último, lembrou a ERC, quanto à escolha do interlocutor e ao tempo e modo da entrevista, integra-se na liberdade editorial da operadora, (...) não cabendo à ERC emitir juízos de opinião quanto ao tipo admissível de entrevistados a convidar pelos diferentes órgãos de comunicação social, nem tampouco exercer uma atitude de controlo da sua linha editorial.
A liberdade de expressão só existe quando, para além de podermos ouvir aqueles com quem concordamos, podemos, também, ouvir aqueles que nos desagradam, incomodam, perturbam e, mesmo, ofendem. E podemos responder-lhes. Mas não amordaçá-los.