Alguns carros conduzem-se sozinhos. Outros lêem emoções
Com a indústria automóvel a dirigir-se para veículos mais sustentáveis, autónomos e inteligentes, a CES é um local de eleição para fabricantes mostrarem as suas ideias sobre o futuro dos transportes.
O futuro da condução é um dos grandes temas da CES, a feira de tecnologia que domina Las Vegas durante esta semana. Aqui, poucos fabricantes optam por falar da potência dos motores. O conforto, a capacidade dos veículos se adaptarem ao condutor, a cibersegurança e a condução autónoma são os trunfos postos na mesa. Há todo o tipo de tecnologia para auxiliar (ou substituir) os condutores, incluindo sistemas que analisam as expressões faciais de que quem vai ao volante para impedir que adormeçam e carros que enviam avisos uns aos outros quando estão a circular por zonas muito movimentadas. E a tecnologia estende-se até às duas rodas, com projectos de motos que se conduzem sozinhas.
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O futuro da condução é um dos grandes temas da CES, a feira de tecnologia que domina Las Vegas durante esta semana. Aqui, poucos fabricantes optam por falar da potência dos motores. O conforto, a capacidade dos veículos se adaptarem ao condutor, a cibersegurança e a condução autónoma são os trunfos postos na mesa. Há todo o tipo de tecnologia para auxiliar (ou substituir) os condutores, incluindo sistemas que analisam as expressões faciais de que quem vai ao volante para impedir que adormeçam e carros que enviam avisos uns aos outros quando estão a circular por zonas muito movimentadas. E a tecnologia estende-se até às duas rodas, com projectos de motos que se conduzem sozinhas.
Mais de duas dezenas de empresas com tecnologia de condução autónoma – incluindo a Waymo, do Google, a Audi e a Toyota – juntaram-se para apresentar uma parceria para disseminar informação de veículos autónomos. O objectivo é mostrar ao público e aos políticos o potencial da tecnologia. Argumentam que haverá mais pessoas a viajar em conjunto e, por isso, menos poluição, trânsito e acidentes.
Em 2019, já há várias fabricantes a desenvolver carros de nível quatro na escala de autonomia – o condutor não é essencial, e o carro, que ainda não é inteiramente autónomo, consegue conduzir-se sozinho em zonas seguras, que estão mapeadas para receber a tecnologia.
A gigante chinesa Baidu (uma das empresas que está a gerar mais atenção pela sua tecnologia automóvel) é uma das que querem ter um carro destes a circular nos próximos três anos.
A Baidu é a dona do motor de busca que é na China o equivalente ao Google. Começou a CES com a apresentação da mais recente versão da Apollo, a plataforma em código aberto que lançou em 2017 para desenvolver carros autónomos. Num vídeo de demonstração, é possível ver os carros com a tecnologia a conduzir em ruas estreitas, a fazer curvas apertadas, a ultrapassar carros lentos em segurança, e a estacionar. A tecnologia assenta de cerca de dez câmaras (dão uma visão de 360º ao veículo), dois radares e quatro LiDAR – trata-se de uma tecnologia que detecta a que distância estão alguns objectos ao analisar as propriedades da luz reflectida.
“O foco é evitar problemas. Não é perder tempo a escolher entre duas situações péssimas - bater na criança ou nos idosos. Não. No final do dia, essas preocupações existem na cabeça das pessoas. E o nosso maior foco é ensinar o carro a evitar problemas”, disse ao PÚBLICO Jingao Wang, responsável pela secção de veículos autónomos da Baidu, referindo-se aos dilemas que a inteligência artificial dos carros pode ter de enfrentar em caso de acidente e que têm sido motivo de debate e de estudos académicos.
Tecnologia made in China
Nos próximos meses, a plataforma Apollo 3.5 vai começar a ser utilizada para guiar táxis na cidade de Changsha, na China, e para distribuir as compras online aos habitantes da Califórnia, graças a uma parceria com a Udelv, uma startup norte-americana de entregas. Ambos os veículos, que estão em exposição esta semana na CES, vão incorporar um sistema de segurança criado pela Intel – uma das muitas parceiras internacionais da Baidu – para programar carros autónomos com conceitos básicos: por exemplo, ceder a passagem a outros veículos quando possível em vez de arriscar esperar que o outro veículo pare, e manter uma distância de segurança em relação a obstáculos.
“Uma semelhança entre os EUA, em particular Silicon Valley, e a China é que são zonas em que se acredita muito no potencial da tecnologia. E a tecnologia de condução autónoma tem o poder de melhorar radicalmente a qualidade de vida das pessoas”, notou Jingao Wang, que antes de chegar à equipa do Apollo trabalhou seis anos para a equipa do Google que desenvolve o sistema Android. “As pessoas gostam de falar em diferenças, mas eu noto que há muitas semelhantes. Particularmente, um desejo de levar a inovação para a frente.”
A grande diferença, argumenta, é que na China há um maior apoio do governo em preparar as cidades para a tecnologia. Nos EUA, os políticos ainda estão cépticos. “As pessoas estão sempre a perguntar quando é que a tecnologia da condução autónoma vai estar pronta, mas é preciso preparar o ambiente também. Ter boas estradas, com boas marcações, sinais de trânsito simples, rotas bem definidas. E o Governo chinês está mais aberto ao tema. Por outro lado, nos EUA é muito fácil criar parcerias e aprender com outras empresas.”
A Baidu acredita que nos próximos três anos os carros vão atingir autonomia completa na auto-estrada e fora dela.
Conduzir por prazer
A japonesa Toyota mostrou como no futuro os carros poderão interpretar as emoções, o tom de voz e a expressão facial dos utilizadores para os ajudar a viajar em segurança e a conduzir melhor. As decisões são feitas através de informação enviada pelo banco (capaz de analisar a postura do condutor), e por pequenos sensores e câmaras no habitáculo.
O projecto já tinha sido exposto o ano passado, mas em 2019 há novidades, com o sistema a ser capaz de estimular todos os sentidos do utilizador. Se alguém está triste porque está a chover lá fora, o sistema muda a tonalidade do ecrã para criar um espaço mais aconchegante. Se o condutor está a adormecer, o rádio toca música pop ao mesmo tempo que o banco vibra. O carro também pode emitir fragrâncias (por exemplo, menta) para ajudar à condução. Em alguns casos – como em viagens monótonas numa auto-estrada – o carro vai mudando a posição do volante nas mãos do condutor, de forma a evitar que este adormeça.
Já BMW, para tentar convencer os mais cépticos, criou um cenário em realidade virtual – que os visitantes da feira de Las Vegas são convidados a experimentar – em que carros autónomos são a norma e onde conduzir é feito apenas por prazer.
Neste cenário ficcional, os visitantes vestem a pele de uma empresária que, se for à sua última reunião do dia, vai chegar atrasada a um jantar com amigos em casa, que se vão juntar para ver o futebol (a assistente digital no carro enviou um alerta sobre o estado do trânsito). Em vez de cancelar um dos compromissos, é possível fazer a reunião por videoconferência a caminho de casa, enquanto o carro guia sozinho e se encomendam snacks para o futebol.
Para a BMW, uma das prioridades, é começar a pensar nos novos objectivos de um carro, e transformá-lo num espaço de lazer onde o utilizador se sente confortável. Uma das novas formas de interagir com o automóvel poderá ser através de gestos desenhados nos bancos do carro: ao desenhar uma nota musical, o carro liga o rádio.
Fora do mundo do hipotético, a BMW também aproveitou a CES para apresentar um projecto-piloto para carregar os seus carros eléctricos de forma mais ecológica. Os condutores são encorajados a carregar os seus veículos em horas do dia durante as quais a maioria da electricidade vem de fontes sustentáveis.
No exterior do pequeno pavilhão da BMW, era ainda possível experimentar os novos carros todo-o-terreno da marca (criados para serem conduzidos em segurança por ambientes inclinados, como grandes subidas) ou ver uma demonstração da mota autónoma que a empresa está a desenvolver, uma versão do popular modelo R 1200 GS. O objectivo do projecto é criar um sistema em que a mota possa alertar o condutor para situações perigosas e ajudar em manobras de emergência.
Já a Mercedes-Benz, outra fabricante alemã, mostrou o Urbanetic, um veículo de aspecto futurista, movido a electricidade e com capacidade de condução autónoma – e que se transforma consoante aquilo que vai transportar graças a um conceito modular. À parte de baixo do veículo é possível acoplar diferentes módulos. Há módulos para cargas e um para o transporte de pessoas. Este é capaz de levar até 12 passageiros, que se sentam em bancos dispostos em círculo e que podem aproveitar as grandes janelas panorâmicas.
Apesar de o veículo mostrado na CES estar a funcionar e ser capaz de circular, a empresa afirmou que se trata apenas de um estudo e que não tem planos para o pôr no mercado.
Comunicação constante
Com várias exposições dispersas pela feira, a americana Ford recordou que a inteligência artificial nos veículos não serve apenas para os conduzir – também ajuda carros a comunicar para diminuir acidentes, ao disseminar automaticamente informação sobre colisões, trânsito, ou mesmo peões com comportamentos arriscados. Neste sistema (conhecido como C-V2X) a rede celular passa informação ao veículo, que a encaminha para os receptores apropriados, seja outro carro, uma infra-estrutura da cidade, ou até um peão.
O projecto GoRide, lançado em 2018 pela fabricante, voltou a Las Vegas para mostrar como a tecnologia pode ser utilizada para organizar frotas de viagens para idosos. “O nosso algoritmo considera o destino dos utentes que contactam o GoRide e o número de pessoas a circular no carro, para criar rotas personalizadas”, explicou ao PÚBLICO Tony Liu, um dos responsáveis pelo projecto. “A utilização de inteligência artificial pára aí. Este projecto é para a população mais idosa, que não cresceu com estes conceitos. Quando os utilizadores telefonam para falar com alguém da nossa equipa, falam sempre com uma pessoa real.”
Apesar de todo o investimento, em 2019, a tecnologia de condução autónoma ainda não é perfeita – ou não teria o primeiro dia da CES, em Las Vegas, assistido a um robô de aparência humanóide a ser atropelado por um Tesla que seguia em modo de condução autónoma.
O PÚBLICO viajou a convite das CES