Injecções financeiras nos hospitais são "prémio à má gestão", diz estrutura de missão
Coordenador da estrutura criada em Março do ano passado pelo Governo, com o objectivo de apresentar propostas que contribuam para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, diz: "Nós não podemos estar a dar mais a quem se endivida mais."
O coordenador da Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, Julian Perelman, considerou nesta quarta-feira que as injecções financeiras nos hospitais para pagamento das dívidas são "um prémio à má gestão" ao endividamento.
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O coordenador da Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, Julian Perelman, considerou nesta quarta-feira que as injecções financeiras nos hospitais para pagamento das dívidas são "um prémio à má gestão" ao endividamento.
"O problema das injecções financeiras é que estão associadas a risco moral", afirmou Julian Perelman, numa audição na comissão parlamentar da Saúde, requerida pelo PSD para "obter esclarecimentos sobre o desenvolvimento desta entidade e as medidas entretanto propostas com vista ao favorecimento do equilíbrio e da sustentabilidade do SNS".
Julian Perelman explicou que "o problema" é que quem tem mais dívida, recebe mais dinheiro. "Se eu tenho um hospital que está altamente endividado eu sei que vou receber mais dinheiro e no fundo não vale a pena estar a controlar a dívida porque se tenho pouca dívida vou receber menos dinheiro."
"No fundo é um prémio à má gestão, um prémio ao endividamento", disse o coordenador da estrutura criada em Março do ano passado pelo Governo com o objectivo de apresentar propostas que contribuam para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e acompanhar o desempenho financeiro das entidades do SNS e do Ministério da Saúde.
Por essa razão, adiantou, "os hospitais têm todo o interesse em não pagar antecipadamente, utilizando o dinheiro para outra coisa, para investimentos, recursos humanos, porque mais tarde ou mais cedo o Ministério das Finanças vai acabar por pagar" a dívida.
Segundo o coordenador da estrutura, as injecções financeiras têm sido "muito pouco efectivas", com um impacto de muito pouco prazo.
"Diminui a dívida, mas um mês depois volta a aparecer porque, no fundo, os hospitais não têm grande incentivo para controlar essa dívida", além de que, quando um hospital recebe uma injecção de capital "é a porta aberta para assumir outros compromissos".
Para ultrapassar esta situação, a Estrutura de Missão faz uma primeira recomendação "muito simples", que as injecções sejam feitas de forma mais discreta, mais faseada, e sobretudo que não tenham apenas como critério o nível de despesa.
"Nós não podemos estar a dar mais a quem se endivida mais", disse o responsável, defendendo que essas injecções não sejam feitas apenas em função da dívida, mas assentes em critérios de eficiência e da dimensão da actividade.
Julian Perelman adiantou que, para "diminuir a dimensão do problema", está em concretização o projecto de autonomia e financiamento dos hospitais para 2019.
"A ideia deste projecto é que tem de haver um reforço orçamental para os hospitais para aproximar os orçamentos às suas necessidades", mas, defendeu, "é preciso haver uma segurança clara de que o dinheiro vai ser bem alocado" e há garantias de um certo nível de eficiência.
Para isso, os hospitais foram divididos em três grupos: o grupo dos muito eficientes, dos medianamente eficientes e dos de eficiência mais baixa.
O coordenador da estrutura adiantou que houve um reforço global de 580 milhões das transferências para os hospitais, mas defendeu que tem de haver "um controlo apertado" da gestão dos hospitais para prevenir situações de risco que possam aparecer. "Há uma decisão de haver um reforço dos hospitais, mas tem que haver um compromisso claro, com uma avaliação de desempenho em termos de qualidade, mas também dos conselhos de administração e dos indicadores económico-financeiros", defendeu.
Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, divulgada na terça-feira, a dívida do Serviço Nacional de Saúde a fornecedores e credores totalizou 2,9 mil milhões de euros em 2017, o que representa um agravamento de 51,6% face a 2014.
Uma comissão para acompanhar hospitais
O coordenador da Estrutura de Missão defendeu também a criação de uma comissão de avaliação para acompanhar os hospitais que têm uma situação financeira mais complicada. "Há hospitais que estão em situação muito complicada" e que necessitam "não apenas de ser incentivados ou penalizados, [mas] precisam de um acompanhamento", disse Julian Perelman.
A "ideia é criar o mais rapidamente possível uma comissão de acompanhamento e de avaliação, não só para avaliar o desempenho, mas para poder acompanhar o hospital".
O objectivo é "ir ao terreno, saber que medidas estão a ser implementadas para melhorar a situação, poder fazer recomendações e acompanhar a implementação dessas recomendações", explicou
Na audição, Julian Perelman falou sobre o problema de endividamento, considerando que "é um travão à autonomia dos hospitais, que não podem assumir compromissos sem terem fundos disponíveis". "Como estão endividados não assumem compromissos, não podem abrir concursos, e isso leva a assumir a despesa por formas menos idóneas e menos eficientes."
Julian Perelman afirmou que os recursos humanos, os medicamentos e os dispositivos médicos têm sido, ao longo dos anos, as "duas fontes principais" do aumento da despesa, e considerou que assumir essa despesa através de endividamento é problemática. "Do ponto de vista de gestão, endividar-se não é um problema, pode ser uma estratégia, o problema é quando esse endividamento fica demasiado alto e, sobretudo, quando os tempos de pagamento passam a ultrapassar todos os prazos", disse.
No seu entender, "o problema não é a dívida, o problema são as dívidas vencidas há mais de 90 dias" e as facturas que não são pagas a tempo. "A dívida cria problemas de eficiência grave", porque leva "a uma situação de negociação, onde o Estado é muito fraco face às empresas farmacêuticas e empresas de dispositivos médicos", sendo-lhe muito difícil pedir diminuições de preços. E este endividamento é "um sinal de preocupação" da capacidade de gestão do orçamento do Serviço Nacional de Saúde que é dado às instituições internacionais, vincou.
Durante a audição, o deputado social-democrata Ricardo Baptista Leite observou que houve um aumento de 60% na dívida vencida entre Dezembro de 2015 e Novembro de 2018 e que, desde que foi construída a estrutura de missão, em Março, esse aumento foi de 14%.
Para Julian Perelman, a dívida reflecte também o esforço que tem sido feito em termos do Estado para assumir despesas do SNS.
"O problema é que não será a melhor forma de assumir a despesa", disse, defendendo que "o ideal era tentar o mais possível, em vez de pagar essa despesa de forma atrasada, por causa da acumulação da dívida, poder fazer-se isso antecipadamente", contemplado no orçamento inicial dos hospitais qual vai ser a despesa.