“Dúvida irredutível” justifica absolvição de Duarte Lima por abuso de confiança
Acórdão com 316 páginas datado de segunda-feira considera possível que antiga secretária do milionário Thomé Feteira tenha pago cerca de cinco milhões em honorários a Duarte Lima, apesar deste não ter declarado o dinheiro ao fisco nem ter tido intervenção directa nos processos em que Rosalina Ribeiro era visada.
Foi uma “dúvida irredutível” que levou o colectivo de juízes que julgou o antigo líder parlamentar do PSD Duarte Lima a absolvê-lo pelo crime de abuso de confiança contra a antiga cliente, Rosalina Ribeiro, assassinada no Brasil em 2009 e cujo homicídio foi atribuído àquele ex-deputado pelo Ministério Público brasileiro.
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Foi uma “dúvida irredutível” que levou o colectivo de juízes que julgou o antigo líder parlamentar do PSD Duarte Lima a absolvê-lo pelo crime de abuso de confiança contra a antiga cliente, Rosalina Ribeiro, assassinada no Brasil em 2009 e cujo homicídio foi atribuído àquele ex-deputado pelo Ministério Público brasileiro.
Em causa neste processo estava apenas perceber se o advogado se apropriara de vários milhões de euros que Rosalina Ribeiro, uma secretária que manteve uma relação íntima com o milionário português Lúcio Thomé Feteira, transferiu em 2001, uns meses após a morte do empresário, de uma conta conjunta que mantinha com este na Suíça. O dinheiro acabou em grande parte em contas de Duarte Lima, o que este não contestava, sustentando, contudo, tratar-se do pagamento antecipado de honorários para representar os interesses de Rosalina na disputa pela herança, cujo valor global ainda hoje se desconhece.
A tese defendida pela filha de Thomé Feteira, que representa a herança, é que na realidade o ex-líder parlamentar do PSD se teria apropriado indevidamente desse dinheiro que Rosalina Ribeiro lhe entregara apenas para evitar o seu arresto, no âmbito da partilha do património do milionário. Olímpia Feteira acusava Rosalina Ribeiro de ter ficado com montantes avultados do seu pai, um caso que terminou arquivado com a morte de Rosalina.
“Com efeito e, relativamente ao arguido Duarte Lima, chegou-se, quanto à matéria fáctica em debate, no caso em apreciação e em relação a este crime a uma dúvida irredutível”, justifica o colectivo presidido pela juíza Flávia Santana.
“Pode o tribunal, em consciência optar por uma ou outra versão? Proferir uma decisão para além da dúvida razoável que diga que o Dr. Domingos Duarte Lima, arguido nestes autos, se apoderou de um dinheiro que não lhe pertencia? Pode o Tribunal, por outro lado dizer que isto foi uma transferência a título de honorários? Do ponto de vista da senhora procuradora da República, a resposta é não, sendo para si esta dúvida inultrapassável. É esta a resposta que humildemente segue este colectivo de juízes: Não”, lê-se na decisão com 316 páginas.
Juízes elogiam procuradora
Os juízes fazem um elogio rasgado ao “brilhantismo e honestidade intelectual” da procuradora que sustentou a acusação e pediu nas alegações finais a absolvição de Duarte Lima e sublinham que a dúvida beneficia o arguido. Apesar de ter pedido a absolvição a procuradora não deixou de frisar que “dificilmente se compreende que um homem a dedicar as suas funções à causa pública, tenha deixado de declarar ao fisco cinco milhões de euros, dinheiro que alega ter recebido de Rosalina a título de honorários. “Isto é perfeitamente injustificável, condenável e censurável pelos mais elementares princípios de ética”, afirmava a procuradora.
A acusação fala na transferência de um total de 5,2 milhões de euros para Duarte Lima, mas o colectivo de juízes só deu como provado que saíram da conta conjunta de Feteira e Rosalina pelo menos 4,4 milhões de euros, transferidos primeiro para uma conta da antiga secretária e seguidamente para duas contas tituladas por Duarte Lima, igualmente na Suíça.
O tribunal valorizou o depoimento de Michel Canals, que foi gestor das contas de Rosalina e Duarte Lima enquanto quadro do banco suíço UBS e que chegou a estar preso preventivamente no âmbito do processo Monte Branco, que ainda investiga um complicado esquema de branqueamento de capitais. E com base no que este explicou relativamente aos direitos de os co-titulares de uma conta conjunta na Suíça, afirma que “não se poder concluir que Rosalina Ribeiro dispôs de forma ilegítima sobre os montantes depositados na conta bancária conjunta após o falecimento de Thomé Feteira”.
O colectivo sublinha o facto de ter havido uma queixa-crime contra Rosalina, Lima e Canals, na Suíça, que concluiu “que nada havia de ilegal na operação efectuada pela Rosalina Ribeiro, inocentando igualmente o arguido [Duarte Lima] dos crimes de branqueamento de capitais, abuso de confiança e infidelidade”.
“É muito dinheiro?"
Sobre a alegada desproporção do valor dos honorários de Duarte Lima, o tribunal considera que “de qualquer modo, o valor dos honorários não excederia 10% do valor calculado do quinhão a que Rosalina Ribeiro tinha direito”, cerca de 15% da quota disponível da herança, que no total, segundo várias testemunhas, pode chegar aos mil milhões de euros. “É muito dinheiro? 5.240.868 euros? Claro que é, mas se se considerarem que estamos a falar de honorários de assistência jurídica que durou cerca de nove anos, e em relação a este património em concreto, é inegável a sua grandeza, a sua extensão”, afirma o tribunal, que não dá esse facto como provado mas também não o exclui.
O tribunal não ficou com dúvidas que Duarte Lima era de facto advogado de Rosalina, desvalorizando o facto de este nunca ter tido qualquer intervenção processual nos casos em que Rosalina era parte ou interveniente. Considerou que o ex-deputado coordenava a defesa dos seus interesses em articulação com outros advogados portugueses e brasileiros. Sinal disso, dizem, é o facto de Rosalina Ribeiro, segundo um sobrinho, ter um telemóvel só para falar com Duarte Lima e pedir ao familiar para se ausentar sempre que mantinha conversas telefónicas com o advogado. Isto além da própria Olímpia Feteira ter admitido que Duarte Lima viajara para o Brasil para acompanhar um processo de união estável intentado pela antiga secretária, com o objectivo de se apoderar da maioria do património do milionário naquele país e que acabou por ser rejeitado.